Eu que até ando atento a estas coisas – curiosidade lúdica – não me recordo de ver imagens tão faustosas do dia da Bastilha como as deste ano. O 14 de Julho é o dia da França carpir as suas mágoas, fazer de conta que ainda tem a grandiosidade de outrora. Ocasião para a especialidade que distingue a idiossincrasia dos franceses: o chauvinismo. Deve ser difícil apaziguar as dores de uma grandeza que o foi lá atrás no tempo que já pertence à História, mas que agora apenas tem remotos vestígios. Porventura apenas os franceses ainda estarão convencidos de alguma grandiosidade, pavoneada em episódicos eventos que servem para celebrar a nobreza de ser francês.
Este ano houve direito a pomposa parada pela Avenida dos Campos Elísios. De repente fez-me lembrar os tempos, saudosos para certa ortodoxia partidária lusitana, das aparatosas paradas que mostravam o poderio militar da extinta União Soviética na Praça Vermelha em Moscovo. Estranha analogia que põe em contacto panoramas políticos que, teoricamente, estão quase nos antípodas um do outro. Há algumas direitas que envergonham quem não se situa à esquerda. Apesar de não haver afinidade com essa direita – a direita tacanha, intervencionista, que tem medo da economia de mercado e foge a sete pés da salutar concorrência, a direita anacronicamente nacionalista e presa às convenções passadistas. Um exemplo: a direita do marido de Carla Bruni.
Haja esforço de contextualização, porém: é da França que se trata. Da França campeã do chauvinismo. De uma França consumida por trejeitos de narcisismo, a França que se vê em si mesma balofa de uma imponência que já teve o seu tempo. Uma esquizofrenia imperial. Faz lembrar, com a cautela das diferentes proporções, as dores de parto da descolonização lusa. Com uma agravante, que torna a esquizofrenia francesa mais pungente: até à segunda guerra mundial a França era uma potência, um dos países que rivalizavam pelo domínio do mundo. Perdeu esse estatuto no rescaldo do conflito. Com a desagregação do império colonial que se seguiu, a França metida no espartilho da pequenez continental. Território escasso para as ambições mentais de quem tanto se habituou a ser um dos senhores do mundo.
Ontem vi o imponente desfile militar patrocinado por Sarkozy no dia da França. O desfile teve mesmo a jeito um cortejo de líderes de muitos países europeus e africanos que no dia anterior estiveram em cimeira para criar a união mediterrânica. Espectadores privilegiados, que não podiam recusar o convite do anfitrião e tiveram que prolongar a estadia em Paris por mais um dia. Para serem testemunhas da exibição majestosa de uma França que ainda só ela está convencida que tem um papel relevante no mundo. Com a sua presença, esses líderes caucionaram a fugaz grandeza da França. Viram como a França tirou os trajes de gala do fundo do armário e os passeou no enjoativo odor a naftalina.
Só me ocorre uma comparação para sublinhar o contraste. O frívolo fausto que se reduz a uma lancinante inanidade, a imagem de uma França patética que ainda se julga actor de primeira água nas relações internacionais. E a simplicidade de uma magnólia, uma simplicidade tão desarmante que, ela sim, exterioriza a magnificência. Não a estultícia de uma vaidade inútil para consumo interno – que essa grandeza há muito se esgotou no exterior das fronteiras francesas. A magnólia retém a sua espessa e alva estatura onde quer que floresça. Ao contrário da França, que já não apaixona exércitos de poetas que outrora puseram em verso as suas grandezas e desfraldaram frondosas bandeiras à francofonia, os poetas de hoje sagram a simplicidade da magnólia, ou de outros esteios de despojada simplicidade. A magnólia é o espelho da francofobia.
A exibição da grandeza militar que não serve para nada foi o pretexto para outro desfile – o de uma certa direita patética que é o melhor trunfo para as esquerdas irritantes. Para quem sente urticária diante de qualquer esquerda, esta apopléctica direita provoca uma emergência patológica: de repente, até apetece ser de esquerda, tanta a náusea que esta direita causa. A genética, porém, trata de liquidar a súbita atracção. Diante do palco do mundo, sobra a orfandade (de referências). A orfandade que se agiganta.
1 comentário:
Este post revela uma desorganização intelectual e uma desordem de exposição digna de um (mau) estudante de secundário.
A tua orfandade de referencias é também global.
Não percebo que pretendeste exprimiro ( o problema deve ser meu): se uma critica ao pseudo chauvinismo francês, se à glória imperial perdida da França, se à direita defensora do liberalismo que tu tanto defendes. O mesmo liberalismo que permite a especulação desenfreada das Matérias Primas e dos alimentos e que vai acabar por colapsar a sociedade e a economia.
O espectáculo apenas está a começar e um dia irás lembrar-te de que o desfile do 14 de Julho é bem mais do que o pouco que conseguiste ver: é simbolo de uma data que abriu as portas para uma sociedade mais justa em que os direitos humanos e de cidadania são
(ainda) respeitados.
Abraço
Carter
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