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Era pesadelo? Errava pelas ruas
da cidade. No pino da tarde, com as ruas apinhadas. Era a sua cidade. E,
todavia, os rostos eram desconhecidos. Em fuga da canícula, sentou-se no beiral
cimentado de um canteiro. Interrogou-se: não devia na sua cidade tomar o pulso
aos rostos em trajeto inverso ao seu? Oxalá os rostos não fossem matéria
indiferenciada; em todos eles repousava uma máscara que os transformava em
matéria semelhante.
A meio das interrogações, um
lampejo: a metrópole era grande, albergue de uns milhões de habitantes. Era pretensioso
julgar que houvesse uma amostra de rostos familiares entre a multidão apressada
a tragar, com pressa urbana, as ruas tão preenchidas de gente. E, porém, não se
conformava com a indiferença dos rostos. Era forasteiro na sua própria cidade.
Os rostos mascarados envergavam a
mesma fisionomia. Uma daquelas máscaras popularizadas pelos hackers que aterrorizam os sítios de
governos, serviços secretos, exércitos poderosos e partidos políticos. Naquele
sonho que não tinha a certeza se o era, todos os mortais que se cruzavam com
ele eram piratas informáticos preparados para instalar o caos no mundo inteiro.
Eram um numeroso exército que caminhava silencioso, impassível, os olhos
enfiados no chão, sem deter o passo. Experimentou meter conversa com um (ou
uma, não se distinguiam, assexuados). E com outro e mais outro e outro ainda, à
medida que a interpelação esbarrava na apatia dos transeuntes que até estugavam
o passo.
Queria que uma alma viva e não
maquinal, uma diferente dos muitos rostos autómatos que tinham tomado conta das
ruas, uma alma viva lhe dirigisse umas palavras. Sentia-se emparedado pelo
silêncio e a indiferença dos rostos imperturbáveis. Era uma frieza sepulcral, como
se de repente todos tivessem sido convertidos em criaturas maquinais,
comandadas à distância por uma tirânica entidade, despojadas de vontade.
Sobrou para o fim a pior das
desconfianças: e se encontrasse um espelho, veria retratado outro rosto
indiferenciado?
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