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Acordei já o meio-dia tinha
batido no sino da igreja. E nem me deitei assim tão tarde, que ontem não houve
função. Seriam três da madrugada. Ainda fiquei três quartos de hora na cama. O
sono queria vir outra vez e eu a combatê-lo (ou seria o contrário, não percebi
bem). Levantei-me a custo. Os chinelos não estavam no sítio. Mas se ontem a
noitada não foi de arromba, se estava sóbrio e não me deitei acompanhado, como
se explica a desordem no quarto? Pensei uns cinco minutos, a cabeça debruçada
sobre os joelhos, até descobrir que a empregada estava doente e já não vinha
arrumar a casa há mais de uma semana.
A fome entrava pelo estômago
dentro. Sabia que nem devia espreitar no frigorífico: ou era a desarrumação, ou
a míngua de víveres. Com a dor de cabeça a bater de cima para baixo, empurrando
a massa encefálica contra os ossos cranianos, vesti umas roupas quaisquer que a
fome apertava e tinha a impressão que matá-la matava também a cefaleia (isto
são palavras caras que ouvi uma ex-namorada, letrada em literatura alemã, a
dizer perante uma plateia de peritos. Eu também me instruo). Não se pense que
agarrei nos primeiros trapos à mão sem me deter uns minutos à frente do
espelho. Nós, os intérpretes da moda, defendemos pergaminhos. Diria que saí à
rua com um aspeto propositadamente negligé
(uma palavra alemã que a tal ex-namorada me ensinou).
Depois do almoço – uma salada
sem molho acompanhada por três garrafas de água mineral (tanta sede, por que
seria?) – olhei para a agenda. Que tarde tão ocupada! Só de ler a revoada de
compromissos, já me estava a apetecer juntar aos lençóis:
- 15.30: solário
- 16.00: ginásio
- 18.00: reunião com o diretor
da agência de modelos que me paga as contas
- 19.45: café com a B., modelo
noutra agência, com a qual o meu agente tem inimizades figadais (outra que
aprendi com a ex-namorada culta) (com a anotação no final “perguntar se não me
querem lá na agência; e quanto pagam – não necessariamente por esta ordem”)
- 22.00: jantar (com alguém lá
no restaurante do hotel do costume que se oferecer para pagar a conta)
- 00.30: atividades extra (com
anotação, só como auxiliar de memória, “you
know what I mean” – mais alemão, estou quase versado na língua de
Shakespeare!)
- Sem hora: deitar (acompanhado,
ou não; independentemente do sexo do acompanhante; o que depende das
substâncias fora da lei que entretanto passarem pela frente).
E isto porque, sendo dia da
semana, não havia passerelle na
agenda. Quem pode dizer que nós, manequins, não temos uma vida extenuante?
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