15.6.12

Fui ao futuro e não tenho a certeza se queria (de lá) voltar


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Matéria onírica, outra vez. Uma espécie de cápsula do tempo, ao jeito dos filmes de ficção científica. Levou-me a um século distante. O ar tinha uma leveza singular. Disseram-me os nativos desse tempo, sem estranharem a minha estranheza, que a ciência inventara modos de segar as impurezas que adulteram a atmosfera. Não havia poluição. E não havia cães e gatos vadios; não eram abatidos por grotescas brigadas de higienização, aqueles meirinhos municipais que deitavam a rede aos pobres animais sem abrigo e depois os aprisionavam soltando um esgar de prazer.
No futuro de que não consegui traçar as bissetrizes, as pessoas não se abespinhavam por ofensas que estilhaçassem um qualquer vidro de cristal da moralidade. Não havia moralidade. Não era precisa a ética. E, contudo, não havia caos. Os habitantes daquela cidade cibernética consagraram um princípio: o respeito pela vontade individual. Não havia leis, não havia tribunais nem juízes com sagacidade para o arbítrio pessoal. As pessoas tinham uma implícita bússola embutida interiormente. Essa bússola contrariava tendências ainda inatas para o conflito. Quando os vapores do conflito emergiam como espuma pútrida, a bússola reduzia-os a matéria inodora, invisível.
Os habitantes daquele lugar e daquele tempo eram sorridentes. Irradiavam sorrisos sem serem de plástico. Não eram autómatos, como insinua a ficção científica que robotiza a espécie humana vindoura. As artes prosperavam. Havia muita gente a trabalhar nas artes – os números não tinham precedentes. Tomara: a decantação antropológica destruíra as excrescências que tinham longa data (exércitos, tribunais, burocracia pública, etc.). As pessoas reconverteram-se. A tarefas nobres, que exaltavam a humanidade. (Mas ao resvalar para uma moralidade que se dizia extinta, a narrativa não continua na senda moralizadora para não ser atraiçoada pela incoerência.)
Era o império da harmonia. Certas palavras feias, outras envolvendo desprazer, tinham sido banidas do léxico. E tanta perfeição não seria cansativa ao dobrar um certo tempo? O sonho (ou a cápsula do tempo na sua viagem de regresso) deixaram a interrogação sem resposta.

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