In https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEh51ORBpaw_8UfLESeQ8P-__TWaNjj515O4Jki5t1TKr6fyLeuc0gQKLiyCazhopMBsRPaROtczZkmZYf3rdAgIyOmxcAF8wuErdEN1RngAAcCMz35ZdrHtNZijKVO-jixUc8g7/s320/ampulheta.jpg
Matéria onírica, outra vez. Uma
espécie de cápsula do tempo, ao jeito dos filmes de ficção científica. Levou-me
a um século distante. O ar tinha uma leveza singular. Disseram-me os nativos
desse tempo, sem estranharem a minha estranheza, que a ciência inventara modos
de segar as impurezas que adulteram a atmosfera. Não havia poluição. E não
havia cães e gatos vadios; não eram abatidos por grotescas brigadas de
higienização, aqueles meirinhos municipais que deitavam a rede aos pobres
animais sem abrigo e depois os aprisionavam soltando um esgar de prazer.
No futuro de que não consegui
traçar as bissetrizes, as pessoas não se abespinhavam por ofensas que estilhaçassem
um qualquer vidro de cristal da moralidade. Não havia moralidade. Não era
precisa a ética. E, contudo, não havia caos. Os habitantes daquela cidade
cibernética consagraram um princípio: o respeito pela vontade individual. Não
havia leis, não havia tribunais nem juízes com sagacidade para o arbítrio
pessoal. As pessoas tinham uma implícita bússola embutida interiormente. Essa
bússola contrariava tendências ainda inatas para o conflito. Quando os vapores
do conflito emergiam como espuma pútrida, a bússola reduzia-os a matéria
inodora, invisível.
Os habitantes daquele lugar e daquele
tempo eram sorridentes. Irradiavam sorrisos sem serem de plástico. Não eram
autómatos, como insinua a ficção científica que robotiza a espécie humana
vindoura. As artes prosperavam. Havia muita gente a trabalhar nas artes – os
números não tinham precedentes. Tomara: a decantação antropológica destruíra as
excrescências que tinham longa data (exércitos, tribunais, burocracia pública,
etc.). As pessoas reconverteram-se. A tarefas nobres, que exaltavam a
humanidade. (Mas ao resvalar para uma moralidade que se dizia extinta, a
narrativa não continua na senda moralizadora para não ser atraiçoada pela
incoerência.)
Era o império da harmonia.
Certas palavras feias, outras envolvendo desprazer, tinham sido banidas do
léxico. E tanta perfeição não seria cansativa ao dobrar um certo tempo? O sonho
(ou a cápsula do tempo na sua viagem de regresso) deixaram a interrogação sem
resposta.
Sem comentários:
Enviar um comentário