11.6.12

As palavras não chegam


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A noite esconde os segredos. Os segredos que se consomem na vertigem dos instantes que retiram as cores baças dos olhos. Os olhos não decaem na melancolia do tempo que morde a sua inércia. A inércia dos ponteiros dos relógios que se demoravam, como se no tempo vindouro se depusessem as mesmas cores. As cores, agora, são diferentes. Uma crisálida que se abre ao mundo, os tufos irradiando vivacidade com a sede da água que se verte de um céu pródigo. Pródigas são as palavras que dantes se demoravam, as palavras que perdiam coerência quando se articulavam à boca do pensamento.
Mas os ponteiros do relógio não remam sempre iguais. O sortilégio dos ventos, dos ventos que mudam de maré, empurra os ponteiros para lugares novos. Os segredos seriam anunciados às quatro partidas do mundo, não fossem segredos. As palavras entretanto desaguam no cais onde aportamos. Lança-se a âncora. As pétalas atapetam as pedras irregulares, as pedras antigas dentadas com musgo esparso. O céu tem as cores mágicas que esbracejam das pinceladas que oferecemos. Enquanto as palavras vão e vêm, bucólicas, humoradas, antológicas, ungidas com a poesia feita pelos corpos. Enquanto tudo isso, há um chão que fazemos com as nossas mãos.
Acreditamos em acasos? Pode a alquimia entronizar-se nos escondidos lugarejos onde se sitia o tempo. Depois, desde o templo consagrado, o templo que soubemos descobrir, o tempo já não é sitiado. Somos tutores da sua libertação. Sobra para o tempo vindouro um olhar entreaberto que espera recolher as dádivas que esse tempo trouxer. Entretanto, os corpos entregam-se à sua coreografia. As palavras, as que demoram a chegar e depois são artesãs de refrigério, escrevem o porvir de que somos credores.
À noite, quando as insónias entrarem fundo na vontade do sono, velam-nos sombras avivadas que passeiam no pensamento. E as palavras emolduradas na voragem dos instantes. Pois são os instantes que debruam a ouro o tempo vivaz. 

2 comentários:

Anónimo disse...

As palavras

São como um cristal,
as palavras.
Algumas, um punhal,
um incêndio.
Outras,
orvalho apenas.
Secretas vêm, cheias de memória.
Inseguras navegam:
barcos ou beijos,
as águas estremecem.
Desamparadas, inocentes,
leves.
Tecidas são de luz
e são a noite.
E mesmo pálidas
verdes paraísos lembram ainda.
Quem as escuta? Quem
as recolhe, assim,
cruéis, desfeitas,
nas suas conchas puras?

Eugénio de Andrade

Anónimo disse...

As palavras

São como um cristal,
as palavras.
Algumas, um punhal,
um incêndio.
Outras,
orvalho apenas.
Secretas vêm, cheias de memória.
Inseguras navegam:
barcos ou beijos,
as águas estremecem.
Desamparadas, inocentes,
leves.
Tecidas são de luz
e são a noite.
E mesmo pálidas
verdes paraísos lembram ainda.
Quem as escuta? Quem
as recolhe, assim,
cruéis, desfeitas,
nas suas conchas puras?
"Eugénio de Andrade"