19.6.12

À noite, quando não anoitece


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Há noites que são um altar de claridade. Noites que se demoram para além do tempo marcado. Noites ungidas pelos dedos macios, palavras que sobram nas robustas memórias. Uns olhos que transparecem na retaguarda de uns outros. Tingindo todas as cores com o fulgor dos olhares e da pele que se refugia na macieza de outra pele. E as palavras, ainda as palavras, que se entronizam em poemas esboçados enquanto os corpos se demoram num amplexo. Os braços que se arqueiam numa coreografia espontânea, na demanda dos gestos que compõem afetos que não têm palavras como ornamento. Em vez do mundo cá fora, à noite, quando a noite não anoitece, a sala perfumada pelo incenso da respiração. Emprestando o calor ao frio que as quatro paredes não isolam. Em coro, o bafo, na vez da lareira que apenas embeleza com o crepitar da lenha que se esvai na consumição do fogo. Mas há noites, as noites sem fim, as noites que depois se confundem com manhãs inesperadas, em que o tempo parece a letargia de si mesmo. Essas noites, em roturas suaves, em gestos que coalham as emoções, são um arco-íris que se adorna por dentro dos olhos que sufragam os ponteiros de onde se avistam outros horizontes. E, todavia, quando julgamos que a noite é etérea, cercados pelo rumor estrepitoso que não se consegue ocultar, a noite renova-se nos templos onde o tempo se torna madraço. Essas noites que resguardam a imensidão não se revê no tempo que tudo julga açambarcar. Dir-se-ia ser uma impossibilidade, ou o jogo onde se movem as peças de um sonho pueril. Dir-se-ia ser um desejo ao ritmo inquieto de corações em suas vulcânicas palpitações. Ou, apenas, o plano fecundo onde se jogam peças douradas ungidas por uns dedos que se incensam na combustão que alimenta um desejo.

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