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(Uma espécie de carta aberta a –
sem cerimónias, “ao” – Rui Tavares, depois de um texto no Público de ontem)
Ó Rui, és brilhante. Um
brilhante cronista. Que escreve como poucos. Dito isto, contextualizo um
registo de interesses: raramente concordo contigo. Mas tu arrebatas pelo
estilo, pela clareza de argumentos, ainda que sejam raras as vezes que
acompanho a tua linha de raciocínio. Acho que desta vez te passou qualquer
coisinha má pela vista, talvez o fumo estivesse fora do prazo e os vasos
sanguíneos na caixa encefálica ficaram embaciados.
Tu, que és um já mais que
promissor historiador, homem com uma notável intervenção cívica, devias evitar
imperativos categóricos e conclusões lapidares. São pueris para as tuas
credenciais. Lá no teu íntimo, quando ele (o íntimo) se desenvencilha das
verdades que convêm para agradar aos espartilhos da ideologia, sabes que nada
no mundo é tão binário como o quadro que pintaste ontem na última página do Público. Tu sabes, ou devias saber, que
os bancos não são os agiotas que os da tua banda e outros de bandas laterais
apregoam.
Longe de mim ser teu conselheiro;
admito que não me permitas a displicência. Mas a coisa vai lá à mesma, que na
minha retórica mando eu. Quando asseveras (porque tu asseveras,
categoricamente) que “o euro é assim: um
jogo de países contra países e, no fim, ganham os bancos”, para ilustrares
o regaste-que-não-se-chamou-resgate à Espanha, passas a impressão que os
governantes são paus mandados da alta finança. Que os bancos, malévolas
entidades, se abarbatam com proventos obscenos e depois exigem a socialização
das perdas quando estão de calças na mão. Contra o povo, sempre oprimido e
olvidado na hora de repartir o bolo. Pois tu garantes que “as pessoas têm de sofrer. Os bancos não”.
Não sei se será de pensar em
proibir os bancos. Espera: mesmo para um anarquista do lado contrário do meu,
os bancos são necessários – mas talvez no nirvânico
ideal de nacionalização da banca, de fio a pavio. Eu podia tentar explicar que
os bancos, porque vivemos em capitalismo (gostes ou não), têm de existir. Podia
tentar explicar que os incentivos dos governos (quando disseram, através dos
benefícios fiscais, “bom povo, tornem-se
proprietários das vossas casas, peçam emprestado à banca”) deram o mote ao
caos do sistema bancário em Espanha. Já para não falar do caos instalado se os
bancos caíssem no colapso, com os danos a serem sentidos até pelo povo de que
te dizes defensor incondicional. Não o faço, contudo. Não vá ser apanhado na
rede dos “muitos comentadores, políticos e
funcionários encartados (a) explicar
a raiz quadrada das diferençazinhas entre o que se passou em Espanha e o que se
passou nos outros países”.
E para não ficar a jeito das tuas verdades feitas imperativos categóricos, quer
quando denuncias a mentira alheia (“eles mentiram”, quando apontas o dedo à Merkel e aos
demais lacaios), quer quando nos unges com a impossibilidade de desmentir as
tuas verdades (“Na verdade, não há diferença, nem
novidade nenhuma, desde o início desta crise”).
Sossega, Rui. Que não é por
nunca ter fumado umas ganzas que deixo de ser defensor da liberalização das
drogas. Não é por aí, pois.
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