12.6.12

Tens de mudar de ganza, ó Rui


In http://jpn.icicom.up.pt/imagens/pais/drogas_fumo.jpg
(Uma espécie de carta aberta a – sem cerimónias, “ao” – Rui Tavares, depois de um texto no Público de ontem)
Ó Rui, és brilhante. Um brilhante cronista. Que escreve como poucos. Dito isto, contextualizo um registo de interesses: raramente concordo contigo. Mas tu arrebatas pelo estilo, pela clareza de argumentos, ainda que sejam raras as vezes que acompanho a tua linha de raciocínio. Acho que desta vez te passou qualquer coisinha má pela vista, talvez o fumo estivesse fora do prazo e os vasos sanguíneos na caixa encefálica ficaram embaciados.
Tu, que és um já mais que promissor historiador, homem com uma notável intervenção cívica, devias evitar imperativos categóricos e conclusões lapidares. São pueris para as tuas credenciais. Lá no teu íntimo, quando ele (o íntimo) se desenvencilha das verdades que convêm para agradar aos espartilhos da ideologia, sabes que nada no mundo é tão binário como o quadro que pintaste ontem na última página do Público. Tu sabes, ou devias saber, que os bancos não são os agiotas que os da tua banda e outros de bandas laterais apregoam.
Longe de mim ser teu conselheiro; admito que não me permitas a displicência. Mas a coisa vai lá à mesma, que na minha retórica mando eu. Quando asseveras (porque tu asseveras, categoricamente) que “o euro é assim: um jogo de países contra países e, no fim, ganham os bancos”, para ilustrares o regaste-que-não-se-chamou-resgate à Espanha, passas a impressão que os governantes são paus mandados da alta finança. Que os bancos, malévolas entidades, se abarbatam com proventos obscenos e depois exigem a socialização das perdas quando estão de calças na mão. Contra o povo, sempre oprimido e olvidado na hora de repartir o bolo. Pois tu garantes que “as pessoas têm de sofrer. Os bancos não”.
Não sei se será de pensar em proibir os bancos. Espera: mesmo para um anarquista do lado contrário do meu, os bancos são necessários – mas talvez no nirvânico ideal de nacionalização da banca, de fio a pavio. Eu podia tentar explicar que os bancos, porque vivemos em capitalismo (gostes ou não), têm de existir. Podia tentar explicar que os incentivos dos governos (quando disseram, através dos benefícios fiscais, “bom povo, tornem-se proprietários das vossas casas, peçam emprestado à banca”) deram o mote ao caos do sistema bancário em Espanha. Já para não falar do caos instalado se os bancos caíssem no colapso, com os danos a serem sentidos até pelo povo de que te dizes defensor incondicional. Não o faço, contudo. Não vá ser apanhado na rede dos “muitos comentadores, políticos e funcionários encartados (a) explicar a raiz quadrada das diferençazinhas entre o que se passou em Espanha e o que se passou nos outros países”. E para não ficar a jeito das tuas verdades feitas imperativos categóricos, quer quando denuncias a mentira alheia (“eles mentiram”, quando apontas o dedo à Merkel e aos demais lacaios), quer quando nos unges com a impossibilidade de desmentir as tuas verdades (“Na verdade, não há diferença, nem novidade nenhuma, desde o início desta crise”).
Sossega, Rui. Que não é por nunca ter fumado umas ganzas que deixo de ser defensor da liberalização das drogas. Não é por aí, pois.

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