28.12.12

O contador (frustrado) de histórias infantis


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A imperícia não saía da cabeça: por mais que tentasse, por mais que quisesse imitar certos vultos da literatura que ensaiaram contos infantis, escorregava para a palavra hermética que os mais novos não haveriam de entender. Quantas folhas de papel alinhavadas com histórias infantis desaguaram no lixo?
Às vezes, quando germinava uma ideia a preceito para um conto infantil, juntava meia dúzia de crianças e as palavras começavam o seu débito. Não seria do ar infantil que punha ao narrar o enredo, que os petizes não são sagazes para perceberem o tratamento infantilizado que combina com a audiência. Só podia ser do desinteresse da história; as crianças não demoravam a desmobilizar a atenção – um bocejo aqui, uma cabeça coçada várias vezes ali, a desatenção aviltando a solenidade que o esforçado contador de histórias suplicava, para seu bem-estar.
Talvez o mal estivesse na sua muita erudição. E de querer trazer tanta erudição para a escrita. Os textos eram intratáveis, punham o leitor mediano a léguas. Mas ainda se descontava que a literatura adulta afivelasse o hermético – ele não há tanta literatura que se distingue pela linguagem elaborada? Contaminado pela verborreia vertida em literatura, as tentativas de conto infantil levavam com os mesmos vícios: o raciocínio elaborado, a palavra aqui e ali desconhecida dos infantes que a lessem, finais de história a despropósito. Quando insistia em oferecer nacos destas histórias em declamações feitas pelo próprio, as crianças, genuínas como mais ninguém é, não tardavam a mostrar a indiferença e, caso ele insistisse, o desprazer. Ouviu uns vitupérios de uns rapazes impertinentes que havia açambarcado numa atividade extraescolar arranjada pela namorada que lá era professora. Um deles disse, alto e bom som, “dedica-te à pesca que não tens jeito para contador de histórias”.
Ficou três dias sem sair da cama. Nem as piores críticas à outra literatura doeram tanto como aquele desconchavo tão ofensivo. Mas há males que contêm a sua própria cura. Foi o remédio para deixar de vez os ensaios da literatura infantil. Percebeu, nessa altura, que não seria acaso a paternidade nunca o ter sondado.

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