In http://2.bp.blogspot.com/-gMa-hcL3w1s/TkvFQhLQNhI/AAAAAAAAAoc/9zy8Vl4mWYw/s640/banco-no-jardim%255B1%255D.jpg
Ele tinha duas peles. Às vezes, três ou
quatro – as que fossem precisas para desembaciar a penumbra que atasse
histórias furtivas. A rua era um manancial rico. Era só observar à volta, ver
as pessoas na sua ladainha diária, ou escutar uma conversa vizinha no metro, ou
ver o mundo a passar à frente numa mesa de café, ou à mesa de uma esplanada
enquanto o mar por diante se oferece musa inspiradora.
O contador de histórias era um narrador
de vielas por onde se emaranhavam vidas que desconhecia. Um singelo fragmento
servia para montar uma história arrancada a ferros. Era um exercício violento. Na
segunda pele, envergada à procura de ser ator em corpo desconhecido, sentia
dores que não eram suas, fortunas em si forasteiras, fazia de conta que era
quem não era. Era como se a existência fosse pequena de mais para o pensamento em
que não tinha freio. Transbordava para as histórias que narrava, convocando em
si os outros que, nem por não serem seus, em si repousavam só de desatar as
urdiduras que impediam a história de chegar à boca de cena mediante palavra
escrita.
Havia alturas em que a palavra
emudecia. A imaginação hibernava. Podia arregimentar meia dúzia de episódios da
atualidade para ficcionar enredos. Sábia saída. Mas a verosimilhança de
personagens não apetecia a construção de enredos. O contador de histórias
preferia a lhaneza da gente anónima, da gente que jamais conhecera e que,
apostava, jamais viria a encontrar depois de se ungir com a inspiração que
vinha dessa gente. Não deixava de se sentir um intruso ao absorver fragmentos
dos outros.
Às vezes perguntavam ao contador de
histórias se uma ou outra tinha laivo autobiográfico. Dizia que as histórias
pertenciam sempre a outras pessoas. Ele só se apropriava das personagens
anónimas e dava-lhes roupagem que vinha de dentro da sua fantasia. Ele era só
um modesto arquiteto dos sentidos cerzidos com as palavras que ajuizava certas
no instante em que se vertiam em forma de letra.
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