18.12.12

Em carne viva


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Carpir as lágrimas todas quando o sal maliciosamente cai sobre as partes do corpo descarnadas? Sim, és humano e a ninguém é dado negar a dor quando a dor arranca das entranhas gritos aflitivos. Ou não, ambicionando à mesma a humana condição, mas emproas um estendal de sobre-humanidade só para te verem como uma parecença com super-herói?
Não interessa a destrinça. A dor é a dor, exibida ou não, com lágrimas ou sem elas, subam as cicatrizes à pele exposta ou sejam remetidas ao recato interior. Quando na carne viva se deitam os sais maliciosos, como se o perpetrador quisesse enfiar uns toros incendiados em lacre de carne, a quem se pode erguer o dedo se um esgar pungente subtrai as cores avivadas do rosto? À carne viva, ainda sem as cicatrizes que hão de durar, sente-se odor queimado quando os sais acidulam na sua reentrância. Torturadores cobertos por um capuz densamente negro prendiam-te as mãos, os movimentos imobilizados. E tu, com a carne a arder, berrando com os decibéis que podias, lutavas com a dor excruciante.
Na alvorada seguinte desembainhaste os sentidos. Como gastaste tantas preces a suplicar que caísses em coma! Os algozes mantinham os teus sentidos em vigia. Era a tortura que te aplicavam, o sono agora proibido. Queriam a confissão que nem da carne viva conseguiram arrancar. Passaram os dias. Não sabias quantos, perderas a noção do tempo metido em masmorras escondidas da luz natural. Até que o figurão todo importante, imponente na sua farda luzidia, pôs os encapuçados em respeito à sua chegada. A tua debilidade distorcia o olhar, não conseguiste saber quem era o mandante de tantas atrocidades. Segredaram, o chefe e os subordinados. O comandante, com um gesto autoritário, deu ordem de livramento.
Largaram-te à beira de um pântano nauseabundo. Não sabias onde era. Mas sentias o prazer do ar gélido a cauterizar as cicatrizes do que outrora fora carne viva. E sabias-te herói: nem à força tanta conseguiram achar a chave dos teus segredos.

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