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Dente afiado. Radar afinado. Em vez de
um ar seráfico – que caía que nem uma luva ao coiote traiçoeiro –, desliza nas
ruas em pose beata. Pouco lhe faltaria para ostentar a aura a preceito. Afável
e sorridente, bom conversador, prestável, encanta quem chega ao raio de ação. Mas
nas traseiras das sombras, aguça as facas longas e treina o dente canino. Não
passa de um tartufo.
De alguma parte há de calhar uma vítima
em sorte. Não interessa se é gente estulta que esfarela os cutelos da
imperícia, que esses são os que se deitam com a cabeça no cepo para serem
decepados pelo coiote. Não interessa se é gente assisada, ufana da triunfante
procissão pela vida, que esses são estorvos que apetece devolver a uma sarjeta
sem remissão. O coiote é ladino, implacável. As suas vítimas dele dizem, depois
de nessa condição se constituírem, que tem sangue frio impróprio de gente
humana. É insubmisso perante as convenções; ou, sendo a lente outra, menos dada
a paradigmas de ingenuidades, é um general de altas patentes da ausente
compaixão pelos que escorregam para o abismo. Estes são o sangue fresco e fácil
que o coiote não desperdiça.
Um dia, o padre da freguesia subiu nos
tamancos da ousadia e interpelou-o no café. Disse-lhe das boas, que tinha
conhecimento de umas tropelias que o coiote andara a praticar em pessoas
desprotegidas. O coiote não tirou os olhos do jornal – esboçou desprazer, pois
o sacerdote interrompera a leitura de uma importante notícia sobre os contrabandos
da mendicidade partidária (onde o coiote tinha destreza). O padre já espumava,
debitando uma lição de moral que envergonhava os presentes, mesmo em não sendo
eles os fieis depositários da lição.
Quando o cura já misturava saliva com o
suor que descia pelo rosto, o coiote, imperturbável, estendeu a mão do sacerdote
e pediu-lhe a bênção, sussurrando ao ouvido:
- estamos
no mesmo barco, senhor padre. No mesmo barco. Somos ambos traficantes de almas.
1 comentário:
Informação de qualidade! Valeu! =D
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