21.12.12

Em formato Kusturica


In http://www.dvdtimes.co.uk/protectedimage.php?image=NoelMegahey/underground2.jpg
(Para desanuviar, e porque dizem que o mundo acaba hoje – se já não tiver acabado devido à diferença do fuso horário)
Estava toda a gente na festa. Toda a gente que importava. Meteram nos GPS as coordenadas da aldeola perdida, a aldeola deserta onde apenas sobrava um casarão que pertencera a uma quinta abandonada no restolho da reforma agrária (a terra a quem a trabalha não vingara, coitada). O mestre de cerimónias recebia os convivas, na sua farpela circense, com os folhos vistosos engalanando o pescoço mais parecendo a bandeira do orgulho homossexual, tal a policromia.
Ninguém recusara o convite. Acreditavam a sério na profecia apocalíptica. A gente toda queria celebrar o disparate. Sua alteza, o presidente, não quis saber dos achaques da primeira dama e veio disfarçado de Tarzan. O chefe do governo trazia duas barbatanas como acólitos – uma em formato de relvado de golfe deslizando a sua gelatinosa, mas falaz, simpatia; o outro esboçando trejeitos efeminados a compasso com a fatiota de travesti especializado em performances de desnudamento enquanto se enrolava num alto objeto cilíndrico. De Paris veio, em especial cortejo (com direito a avião privado fretado com fatura enviada para os contribuintes da nação), o “maior”. Vinha disfarçado de si mesmo, o que já não é coisa pouca.
No palco havia um farsante cantor, primeiro nome David e último Fonseca, podando uns acordes enquanto os bacantes, depois de uma primeira incursão às casas de banho, e já devidamente municiados de uma primeira linha de cocaína, esbracejavam coreografias risíveis. O camarada Jerónimo era exceção: lia o livro mais famoso de Milton Friedman, alheio à algazarra. Queria perceber como podiam os neoliberais pensar como pensam. Em apoteose, Anacleto Loução aceitou exceção ao retiro académico e regressou à atividade pública – tinha de deixar a sua marca no dia do juízo final, não sabia bem com que propósito, que depois ninguém ficava para contar os seus feitos às gerações vindouras. Vinha enfeitado de Alberto João Jardim, o que motivou sonora gargalhada do soba madeirense, agrilhoado em fantasia Dupont & Dupont a Jorge Sampaio.
Nas cidades, em suas praças centrais, o povo assistia à desbunda final – e os bacantes nem sonhavam que as suas tristes figuras eram testemunhadas pelo povo em força. Mas já ninguém se interessava. Era um assalto às lojas, a bebida jorrava livre, as drogas transacionavam-se sem preço, havia promiscuidade à vista desarmada sem acosso das patrulhas dos costumes. Assim como assim, amanhã já não seria amanhã. 

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