Às estrelas, por entre as insónias
demoradas, validava as inquietações. Mantinha o olhar no céu e não eram trevas
o que aos olhos chegava. Entre as estrelas, mesmo por dentro da sua cintilação,
procurava respostas. Tinha esgotado as possibilidades no lodaçal terreno. As
pessoas no entorno tinham desistido das respostas. Quando as haviam dado, eram incompletas.
Consumia-se na sua rebeldia interior. A
revolta levava um fermento latente, incendiada pelas nauseabundas injustiças legadas
pelo mundo em redor. Os circuitos internos estavam ferventes. O sobressalto das
dúvidas era um trono crepuscular, antes de o corpo se entregar à volúpia
ocasional. Já não confidenciava nem com amigos de longa data. Não queria encarar
o opróbrio que alguns, muito dados às coisas da moralidade, lhe atiravam para o
dorso. O sobressalto era um contínuo. Era o frémito que não conseguia domar e
que a levava aos atos que depois julgava tresloucados. Temia que a lucidez
estivesse em extinção. Eram as dores do arrependimento, quando a educação casta
se insinuava nos interstícios da memória. À medida que o curto-circuito deixara
de ser improvável, refugiou a parte escondida de si num casulo que só ela
conhecia. Tinha uma imagem esquizofrénica, como se levasse uma vida dupla, ou fosse
um alter ego de si mesma.
Um dia, vinha da volúpia noturna, parou
em frente ao cais deserto. Amparada pelas colunas encardidas, deixou-se arquear
à medida que as mãos massajavam os cabelos engordurados. Eram tantas as vezes
que perguntava o que andava a fazer com a vida, tanta a exasperação com os
acessos de lucidez. Esbracejava, berrava interiormente contra os oráculos da
decência que se mantinham acesos à frente dos olhos. Queira ser invadida pela
loucura, deixar um vestido carmim, transparente, cair sobre o corpo escultural
e passear, estouvada de lascívia, nas ruas pejadas de homens famintos. Ou
queria apenas exilar-se, ir para longe da cidade que sempre fora a sua. Por
cansaço dela. Para fintar o envelhecimento precoce que o espelho diário não
mostrava.
Não sabia o queria. prostrada na cama,
queria que um desfado lhe saísse em sorte.
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