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Deus, se existisse, seria a autoridade
mais respeitada na política
internacional. Se existisse (o que ainda carece de prova), seria caso
para dizer que a política internacional faz jus à justiça divina. Pois foi ela (justiça
divina) que fez o favor de colocar a abundância de importantes recursos
naturais em países que foram ungidos pela pobreza durante grande parte da sua
história. Aliás, ecoando a conjeturada omnipresença do deus cuja existência
está em processo de comprovação, ele já tinha dissipado a sua inata bondade
quando congeminou as vontades que autorizaram a independência das terras que eram
colónias. Umas décadas mais tarde, alguns desses jovens países já andam em
bicos dos pés, resgatados às cócoras pela intervenção divina. Deus deitará um
olho mais atencioso aos que fraquejam na relação com os mais fortes. Incapaz de
lidar com injustiças, a entidade divina repõe a ordem com favores aos mais
fracos. Afinal, a discriminação positiva tem selo divino.
Uma parte da história não bate certo.
Deus, dizem, imerso na sua infinita bondade, não abona maus instintos. A
infinita bondade, dando lastro à discriminação positiva que abriu alas a jovens
países ao altar dos poderosos, não quadra com a pose altiva, arrogante até, que
deixa na atmosfera um odor a vingança. A vingança não é um sentimento
acarinhado pela doutrina de deus.
Os calhamaços divinos, com a ajuda da
hermenêutica dos teólogos, fornecem explicação. As boas ações dos homens são entranhadas
por deus. Foi deus, pois, que convenceu os lutadores pela independência a
morderem nos calcanhares dos colonizadores. Tanto levaram a água ao moinho que,
a bem ou à força, chegaram ao desiderato. Mas o deus de suposta existência não
pode domar os maus instintos que afloram à epiderme dos homens. Ou, se
quisermos embarcar numa versão heterodoxa da ação divina, a vingança dos
ex-colonizados, agora transformados em neocolonizadores pela batuta dos seus
investimentos, é o preço que os neocolonizados pagam por terem tanto tempo
aproveitado do sono de deus.
Às tantas, a sobranceria vingativa dos
neocolonizadores devia ser virada contra o deus da suposta existência (por
causa do longo sono de deus). Ou deus não controla a política internacional e
nós nem desconfiávamos.
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