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Os vultos da cultura são
desvalorizados, e isso é uma injustiça. O grande público vira-se para outras
estéticas e quer que os grandes vultos da cultura sejam astetas. Subavaliam os
seus contributos. Pudera. A cultura não é tangível ao valor – lá se costuma
dizer.
É por ser intangível que aos vultos
eternizados devia ser cunhado estatuto compatível. A lei devia ser igual para
todos, menos para os grandes vultos da cultura. Para não se repetir a
humilhante exposição de um famoso maestro convocado a tribunal, réu em crimes
que achavam fundamento em luxos privados pagos com o dinheiro dos
contribuintes. Acossado, e antes de chamar abutres aos jornalistas, deu à
estampa artigo de opinião que mais parecia uma defesa pública (já que o
tribunal, adivinhava-se, ia condená-lo). A páginas tantas, o maestro soltou
pergunta de retórica: queriam que levasse outros maestros, tão figuras gradas
da cultura como ele em pessoa, a jantar em tascas? Queriam deixá-los alojados
em pensões manhosas?
O povo, mergulhado na sua néscia
condição, devia ser obrigado a respeitosa genuflexão sempre que um dos grandes
vultos da cultura abrilhantasse a rua com a sua presença. E o povo, pagador de
impostos como soe ser, haveria de exultar ao saber que um pecúlio dos seus
impostos era vertido nos luxos pessoais dos grandes vultos da cultura. Há
maestros que se contentam com viagens a destinos exóticos com hospedagem de
cinco estrelas, refeições opíparas em restaurantes aclamados, charutos e até
peças de lingerie. Um vulto da
cultura deve merecer tratos de polé. A criatividade, está provado, advém das
sumptuosidades que alimentam o artista. Lençóis de seda, uma corte de
empregados levando o vulto da cultura ao colo, prazeres gastronómicos e
inerentes, até os prazeres carnais devem ser saciados que a criatividade
refulge quando tais prazeres andam em alta (daí as peças de lingerie).
Quem não entender isto é mais um do
exército de broncos que, à sombra da “democratização” de tudo e mais alguma
coisa, acha que os grandes vultos da cultura são tão iguais como o resto da
maralha. Desenganem-se, não são. A tremenda injustiça praticada sobre o maestro
tem um fim marcado: o maestro vai ter de devolver uma soma astronómica em
dinheiro para não ir preso. A sociedade ditou que as alcavalas que tanto
dinheiro custaram eram ilegítimas. A maior humilhação é a de uma sociedade que
não dá valor aos seus grandes vultos culturais.
Não admira que sejamos atrasados.