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Ontem, no Público, o historiador Luís Reis Torgal puxou lustro à fina ironia
e desmontou uma crónica de Miguel Esteves Cardoso (MEC). Nesta crónica, MEC
cometeu o intolerável pecado da opinião: disse que não gostou dos argumentos de
Torgal e de dois outros historiadores (Loff e Rosas). E deu a entender que eram
de esquerda, manifestando-o com menosprezo.
Neste pedaço de terra em que as
esquerdas tutelam os bons gostos e os costumes e trazem a tiracolo a
superioridade moral, MEC cometeu crime passível de lapidação em praça pública.
O instrutor do processo foi Torgal. Usando prosa sarcástica, naquele sarcasmo
só ao alcance dos que se acham penhores de uma erudição imbatível, mandou MEC
perorar sobre as coisas mundanas que habitualmente são tema das suas crónicas.
O historiador catedrático (ou o catedrático historiador) mandou dizer, por
palavras meias (que gente assim não tem coragem de escrever as palavras todas),
que se MEC não sabe de história deve-se abster de meter o bedelho em discussão
para a qual não foi convocado.
O mal é quando a
ironia tropeça nas suas próprias ironias. Historiadores amigos de Torgal (por
exemplo, os citados Loff e Rosas; mas há mais, anónimos e pouco significantes)
montam-se num (suposto) inquestionável saber alimentado pela cátedra e opinam
sobre o que aparecer pela frente, desde a atualidade genérica até outras
ciências que saem da sua particular e pequena quinta gnosiológica. Cavalgam uma
autoridade intelectual imune a contestação, que o contraditório soa a topete
quando alguém ensaia uma defenestração das ideias de tamanhas sumidades.
Ponto de ordem: os historiadores
sabem de tudo e mais alguma coisa, mais até que os supostos especialistas dos
saberes que não são os dos historiadores e que os desmentem esgrimindo factos. Factos,
em vez da subjetividade das ideias, que aí a discussão deve ser
descomprometida. Mas ai de quem, não sendo historiador, se atreva a fazer
opinião sobre uma querela que envolve historiadores, um naco da história e
leituras enviesadas pela excitação da militância ideológica. Pois só aos historiadores
é admissível discutir história.
Sem meias palavras, que prefiro usar
as palavras na sua totalidade: estas divindades intelectuais metem-me asco.
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