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- Sabias
que o sal todo está na superação, naqueles instantes em que parece que nos
transcendemos? Sabias, como nos atletas que aspiram ao olimpo, que há uma
altura em que bifurcamos pelo lema “citius, altius, fortius”?. Estava
frenética, parecia sob o efeito de hipnóticos, os olhos quase se furtavam às
órbitas enquanto as palavras saíam de enxurrada e fartamente audíveis.
- Isso
que me dizes traz água no bico. Ao que vens?, reverberou, observando os
esgares irrequietos da amiga.
- Tenho
andado a pensar...isto...não sei...compomos uma passagem efémera e depois somos
mero pó. Custa-me pensar que não deixamos proezas lembradas pelos vindouros.
- E
já te ocorreu que todos os que fizeram, fazem e farão a ficha técnica da humanidade
não podem ter tamanha pretensão? Mal sufragou a interrogação, fez menção de
se desinteressar da conversa.
- Dos
outros, dos seus padecimentos e sufrágios interiores, não me compadeço. Os meus
são vinagre aspergido em feridas por cicatrizar. As dores, sinto-as eu. Há
algum mal em deixar o meu nome debruado numa rua qualquer? Há algum mal em
alinhavar pela ousadia?, afivelando um olhar entumecido ao notar o
desinteresse da amiga. Que se apressou a corrigir o passo:
-
Tu podes fazer o que te apetecer.
E eu, hás de convir, posso achar uma toleima o que estás a dizer. Mas diz lá ao
que vens, que não estou a achar o fio à meada.
- Quero
ter um rasgo de criatividade, fazer algo que não tenha sido jamais feito,
espalhar o perfume da bondade e tornar a humanidade um bocado melhor.
Desligar-me das materialidades, interiorizar sentimentos que cultivam a
espiritualidade, meter os pés a uma peregrinação interior que desfaça os nós da
frivolidade. Quero ter os meus próprios Himalaias debaixo dos pés e sentir
orgulho. Mas não pelo orgulho que se confunde com narcisismo; orgulho, por
sentir que houve muita gente a ganhar sorrisos pela bondade que conseguir
gravitar à minha volta. E depois quero morrer, velhinha e só, esquecida por
todos, mas banhada na gratificação maior de saber que o mundo lá fora não é um
promontório de sofrimento e injustiça. Depois, quando fechar os olhos pela
derradeira vez, já nada importará.
E ela, enquanto ouvia o monólogo
arrebatado da amiga, encolheu os ombros. Da pretérita vez que afiara gumes por
uma excitação semelhante, deambulara pelas montanhas bolivianas atrás de um
guru espiritual de que agora já nem o nome se lembrava.
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