8.1.13

O patriotismo contado às criancinhas


In http://www.portugalnoseumelhor.com/wp-content/uploads/2005/04/patriotismo_motorizado2-360x270.jpg


“(...) Ó Portugal, se fosses só três sílabas
de plástico, que era mais barato!
(...) Portugal: questão que eu tenho comigo mesmo,
(...) meu remorso
meu remorso de todos nós.”
Alexandre O’Neill, “Portugal”, in Feira Cabisbaixa (1965)
Já não é como dantes. Quando havia ditadura e era preciso formatar as cabecinhas desde tenra idade, nos bancos da escola. Mas as coisas velhas readquirem outra vivacidade, com novos formatos e novas cores, assim que os tempos andam e as ideias do outro tempo se fazem velhas e cedem o passo a ideias novas. Que, todavia, não têm diferentes pergaminhos quando se revistam os métodos comezinhos e os surpreendentes atores que puxam os galões a antiquados conceitos.
O patriotismo volta a estar na moda. Agora tem outros curadores: sindicatos comunistas, partidos da extrema-esquerda (que eram tão hostis ao patriotismo), ambientalistas engajados, produtores nacionais que mendigam a mão protetora do Estado (sem saberem que estão numa Europa sem fronteiras), gente que acordou tarde para a realidade e chora lágrimas abundantes pela soberania que teremos perdido agora que uma troika alienígena comanda as políticas (como se já dantes a soberania não tivesse sido reconfigurada). O patriotismo é o novo sebastianismo, a argamassa necessária para que sejamos rebeldes da ordem instalada.
E o que é o patriotismo? Como se ensinaria nas escolas, caso os descontentes fossem chamados ao poder e doutrinassem, por decreto, as criancinhas? Diriam coisas banais, coisas já divulgadas pela direita conservadora que dantes brandia o patriotismo e pegava nos cacos da história para avivar o orgulho pátrio. E o que é o patriotismo (afinal)? O galo de Barcelos, os feitos dos desportistas lá fora, uma suposta identidade nacional (como se todos tivéssemos de louvar folclore minhoto, sarrabulho, tripas à moda do Porto, pezinhos de coentrada, preces aos pastorinhos de Fátima, areias e o sol e a água cálida do Algarve – e o mais que se possa arregimentar)?
O patriotismo é uma entorse à liberdade. É um dever, indeclinável. É tido por mal quem disser, sem disfarce, que não é patriota. Mas a pátria calha em sorte, ou em azar. Uns resignam-se: assim como assim, é o lugar do nascimento. Logo, o imperativo acéfalo de alardear a pátria que vem no passaporte. Eu prefiro a mordacidade de O’Neill. Não escolhi ser daqui. Nada nem ninguém coage um patriotismo que me é corpo estranho.  

Sem comentários: