In http://www.imobiliariadocarmo.com/wp-content/uploads/2012/09/grande-cidade-e-seus-predios-7f1dc.jpg
Já nada era como outrora. Quando saía
de casa a caminho da escola e todas as pessoas a cumprimentavam. Quando ia à
mercearia ao fundo da aldeia e o dono a chamava pelo nome de batismo. Ou quando
arremetia pelo meio da floresta fugindo dos caminhos traçados, como se fosse
uma cabra montesa, e regressava a casa com um singular preenchimento interior.
O céu noturno já não era um espelho de estrelas que irradiavam sortilégios de
simplicidade. Nem era possível escutar o rumorejar das águas do ribeiro que a
entregava ao sono.
Disseram-lhe que tinha capacidades.
Que não podia parar os estudos, que a universidade a esperava. Era um
desperdício se metesse as mãos na lavoura, ou se fosse definhar numa esconsa
secretária nos serviços municipais. No dealbar da maioridade foi apanhada na
esquina das contrariedades. Imberbe, desaguou na grande cidade. Só lá tinha ido
um punhado de vezes. Para se estrear na descoberta do mar, para o casamento de
um tio e numa viagem de fim de semana com os austeros avós. A grande cidade era
uma incógnita. Não sabia como ia conviver com a ausência de árvores, com o
espaço dominado pelas casas e pelos modernos apartamentos onde se atamancava
tanto betão. Não sabia como reagir à indiferença de todas as pessoas que fossem
anfitriãs das suas caminhadas pelas ruas. Temia que a ingenuidade fosse viveiro
para os oportunistas. Foi deixada sozinha num quarto de um apartamento onde
estavam outras estudantes. Ninguém da família tinha vida para se exilar em
apoio à menina que estava na altura de deixar de o ser.
Quando terminou os estudos, já
encartada com o canudo que a tornava engenheira, lembrou-se daqueles dias
iniciais na grande cidade. Das lágrimas vertidas no travesseiro quando se
sentiu peixe fora de água com tanta gente anónima nas ruas, tanta gente que
tratava a outra tanta gente com a indiferença que se destina às coisas que são
indiferentes. Doíam-lhe os crápulas de que ouvia falar. Magoou-se com uns
oportunistas que tiraram partido da sua ingenuidade. A certa altura deu conta
que a cidade, pese embora a floresta de edifícios (uns velhos e encardidos,
outros modernos e arrojados), era uma selva.
Salvou-se entre os destroços acumulados
nos anos do tirocínio estudantil. Hoje, engenheira e senhora feita, sentia-se
deslocada quando ia de visita à aldeia que deixara para trás. As circunstâncias
são a cerzidura de uma transformação imperativa. Para não morrer: adaptar.
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