7.1.13

A cidade grande, uma selva


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Já nada era como outrora. Quando saía de casa a caminho da escola e todas as pessoas a cumprimentavam. Quando ia à mercearia ao fundo da aldeia e o dono a chamava pelo nome de batismo. Ou quando arremetia pelo meio da floresta fugindo dos caminhos traçados, como se fosse uma cabra montesa, e regressava a casa com um singular preenchimento interior. O céu noturno já não era um espelho de estrelas que irradiavam sortilégios de simplicidade. Nem era possível escutar o rumorejar das águas do ribeiro que a entregava ao sono.
Disseram-lhe que tinha capacidades. Que não podia parar os estudos, que a universidade a esperava. Era um desperdício se metesse as mãos na lavoura, ou se fosse definhar numa esconsa secretária nos serviços municipais. No dealbar da maioridade foi apanhada na esquina das contrariedades. Imberbe, desaguou na grande cidade. Só lá tinha ido um punhado de vezes. Para se estrear na descoberta do mar, para o casamento de um tio e numa viagem de fim de semana com os austeros avós. A grande cidade era uma incógnita. Não sabia como ia conviver com a ausência de árvores, com o espaço dominado pelas casas e pelos modernos apartamentos onde se atamancava tanto betão. Não sabia como reagir à indiferença de todas as pessoas que fossem anfitriãs das suas caminhadas pelas ruas. Temia que a ingenuidade fosse viveiro para os oportunistas. Foi deixada sozinha num quarto de um apartamento onde estavam outras estudantes. Ninguém da família tinha vida para se exilar em apoio à menina que estava na altura de deixar de o ser.
Quando terminou os estudos, já encartada com o canudo que a tornava engenheira, lembrou-se daqueles dias iniciais na grande cidade. Das lágrimas vertidas no travesseiro quando se sentiu peixe fora de água com tanta gente anónima nas ruas, tanta gente que tratava a outra tanta gente com a indiferença que se destina às coisas que são indiferentes. Doíam-lhe os crápulas de que ouvia falar. Magoou-se com uns oportunistas que tiraram partido da sua ingenuidade. A certa altura deu conta que a cidade, pese embora a floresta de edifícios (uns velhos e encardidos, outros modernos e arrojados), era uma selva.
Salvou-se entre os destroços acumulados nos anos do tirocínio estudantil. Hoje, engenheira e senhora feita, sentia-se deslocada quando ia de visita à aldeia que deixara para trás. As circunstâncias são a cerzidura de uma transformação imperativa. Para não morrer: adaptar.

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