Ferviam a temperaturas diferentes. Um
fervia em pouca água, não era preciso dar muita corda ao termómetro. O outro
personificava um monge tibetano. Nunca alguém lhe vira descompostura, uma
palavra exaltada, um sentimento atiçado por atos alheios. Em vez de serem
antípodas um do outro, complementavam-se. Eram uma simbiose de contrários. Nem
pareciam filhos dos mesmos pais.
O eriçado perturbava-se amiúde. Não
havia dia que não se enervasse com a prosápia dos outros, com a deslealdade,
com a mentira contumaz. Quando se diz que fervia, não é em forma de metáfora. O
rosto enrubescia de cada vez que alguém, ou uma notícia do mundo, o punha em
sobressalto. Servia-lhe de contrapeso a ponderação do irmão mais novo. Sabia
que quando chegava a mostarda ao nariz precisava das palavras retemperadoras do
irmão. Mas antes brigavam. Em dizendo melhor, com as pulsações aceleradas e a
lucidez de folga, atirava-se ao irmão quando ele procurava contemporizar.
Naquela iracunda forma, qualquer advertência de modo era entendida como
reprimenda. Mas o irmão mais novo não desarmava a fleuma, mantinha a pose
monástica, temperada. Quase todas as vezes que um acesso de fúria retirava
bom-senso, disparava palavras gatafunhadas para cima do irmão mais novo. Até
parecia que era o culpado do desassossego. O mais velho, quase sempre, atingia
o púlpito da descompostura quando acusava o mais novo de ser perito em pôr
paninhos quentes. E ele, tão febril, a precisar de pedras de gelo.
Um dia, foi acordado a meio da noite.
À porta estavam dois polícias. Perguntaram se era irmão do seu irmão mais novo
(não havia familiares mais próximos depois que os pais morreram). O irmão
estava detido. Matara um rapaz numa briga noturna. No caminho para a esquadra,
um dos polícias precisou os detalhes do ato. Fora de uma brutalidade incomum.
Na cela, o irmão mais novo ainda tinha sangue espalhado pela roupa, pelo rosto,
pelos braços e mãos. Estava ébrio – estado desconhecido do irmão mais velho,
que, atónito, disparou: “e tu tens o hábito de beber assim tanto?”
Só obteve silêncio. A apatia
descompusera-se por ação da bebida. Os paninhos quentes perderam sua serventia.
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