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Há uma ciência oculta quando o punhal
desce a sua nostalgia em forma de lamento. Persignam-se as almas, tementes, não
vão as curvas traiçoeiras do porvir espalhar outra armadilha que se converta,
quando o porvir chegar, em lamento. Os lamentos são irmãos siameses do
arrependimento.
Aportam, as almas madraças, ao cais
de onde se contempla a larga baía. Dir-se-ia, ao que a distância deixa
perceber, que as embarcações reduzidas à pequenez de quem as olha de tão longe
seriam a forma dos lamentos a ecoar nas masmorras da memória. A memória teima
em enredar o quotidiano nas teias terçadas pelos lamentos, sitiando o tempo
presente. Não há maior armadilha, as evocações que são nutriente da melancolia.
Pode não haver choros, mas o rosto caído e o pensamento decaído no formol da
memória transbordando arrependimentos compõem uma ladainha. E, todavia, mal o
olhar interior se entrega à indulgência envenenada dos lamentos, sem entender
que é a sua prisão indelével, as lágrimas vertidas são uma granada detonada
contra o tempo vindouro.
Não percebem como navegam em campo
movediço. A cada estrofe que entoa um lamento, há tempo desgastado, tempo que
devia ser consagrado a um refrigério qualquer, um que trouxesse as novas
cambiantes que renegam na posteridade os lamentos de outrora. Não vá o corpo
andar às arrecuas, em desnorteada errância, e tropeçar nas mesmas ciladas
conhecidas de então. É disso que tratam os lamentos: uma revisitação cega a um antigamente
que merecia padecer nas imemórias.
Nem alquimia alguma conseguiria a proeza: mudar um lamento, transformá-lo numa
proeza da memória. (Talvez só a preceito de entidades divinas congeminadas a
meio de um sonho cujos dedos tocam os umbrais de um pesadelo.)
Ao corpo que recua, ávido por regressar
ao pântano das lamentações, esperam os alçapões que a demanda tresloucada não
consegue ver. Depois sobram as dores excruciantes. Lá por dentro, por denodo da
demencial lamentação e pelas cicatrizes de a ela voltar. As lamentações vogam
numa água rançosa. Através delas, não se honra o magnífico tempo por diante.
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