29.1.13

A baía dos lamentos


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Há uma ciência oculta quando o punhal desce a sua nostalgia em forma de lamento. Persignam-se as almas, tementes, não vão as curvas traiçoeiras do porvir espalhar outra armadilha que se converta, quando o porvir chegar, em lamento. Os lamentos são irmãos siameses do arrependimento.
Aportam, as almas madraças, ao cais de onde se contempla a larga baía. Dir-se-ia, ao que a distância deixa perceber, que as embarcações reduzidas à pequenez de quem as olha de tão longe seriam a forma dos lamentos a ecoar nas masmorras da memória. A memória teima em enredar o quotidiano nas teias terçadas pelos lamentos, sitiando o tempo presente. Não há maior armadilha, as evocações que são nutriente da melancolia. Pode não haver choros, mas o rosto caído e o pensamento decaído no formol da memória transbordando arrependimentos compõem uma ladainha. E, todavia, mal o olhar interior se entrega à indulgência envenenada dos lamentos, sem entender que é a sua prisão indelével, as lágrimas vertidas são uma granada detonada contra o tempo vindouro.
Não percebem como navegam em campo movediço. A cada estrofe que entoa um lamento, há tempo desgastado, tempo que devia ser consagrado a um refrigério qualquer, um que trouxesse as novas cambiantes que renegam na posteridade os lamentos de outrora. Não vá o corpo andar às arrecuas, em desnorteada errância, e tropeçar nas mesmas ciladas conhecidas de então. É disso que tratam os lamentos: uma revisitação cega a um antigamente que merecia padecer nas imemórias. Nem alquimia alguma conseguiria a proeza: mudar um lamento, transformá-lo numa proeza da memória. (Talvez só a preceito de entidades divinas congeminadas a meio de um sonho cujos dedos tocam os umbrais de um pesadelo.)
Ao corpo que recua, ávido por regressar ao pântano das lamentações, esperam os alçapões que a demanda tresloucada não consegue ver. Depois sobram as dores excruciantes. Lá por dentro, por denodo da demencial lamentação e pelas cicatrizes de a ela voltar. As lamentações vogam numa água rançosa. Através delas, não se honra o magnífico tempo por diante.

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