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Os vestígios da tempestade
que sobressaltara o navio nos últimos três dias ainda coloriam as cartas
marítimas. O mar estava num suplício que já não quadrava com o sol que parecia
uma impossibilidade a ver pela borrasca que se pôs antes. O mar de fundo era o
selo tardio da tempestade.
Fazia o tirocínio no mar de
fundo. Os marinheiros experimentados apregoavam que quem passasse com distinção
no exame inicial ao mar de fundo, estava preparado para as piores intempéries
que estivessem por vir. O navio adornava enquanto o chão do mar ia ao seu fundo
e depois se levantava, ocultando o fio do horizonte. Era um movimento vagaroso,
mas violento. O navio era sacudido quando o mar de fundo chegava ao auge e o
chão do mar apontava para o fundo. O navio era então embrulhado com fereza nas
águas, a proa descendo vertiginosamente com o movimento descendente do mar de
fundo. Recordou outra vez a voz da experiência dos marinheiros mais velhos: em
sendo o tirocínio no mar de fundo, os que souberem reprimir as agonias mereciam
comenda da confraria dos deuses que tutelam os oceanos.
Mas não eram os enjoos da
montanha russa em mar alto que o inquietavam. Era o equilíbrio precário, pois
as habituais tarefas dos embarcadiços não podiam parar porque o mar se tinha indisposto.
Os marinheiros tinham de se agarrar ao que pudessem. À cautela, os coletes
salva-vidas abraçavam o dorso. Podia sempre uma onda rebelde arremeter contra a
embarcação e fazer-se convidada no convés, levando na despedida um, dois, três
marinheiros desprevenidos. Enquanto perdia a conta das vezes que o navio fora
abaixo e depois ao cume do mar chão, pensamentos esparsos foram convocados para
acompanhar o labor que ainda estava por fazer. Foi lá atrás, quando a meninice
acabou e principiou a existência controversa, cerzindo uma história instantânea
que percorreu todos esses anos.
Foi quando compreendeu que o
mar de fundo, nos seus altos e baixos, é a metáfora perfeita da vida.
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