11.4.13

As estações errantes


In http://alunos.esffl.pt/16336/images/ESTAES~1.GIF
Outra lição do tempo que levava embarcado na marinha mercante. Não fazendo o navio rotas habituais, tivera de se habituar a uma contingência que desarranja o relógio biológico. As estações do ano tinham perdido calendário. As rotas que eram errantes, pois as encomendas ao armador assim mandavam, levavam o navio a percorrer a distância entre duas estações antípodas em poucos dias. A indumentária era metodicamente preparada quando as coordenadas da próxima ancoragem eram conhecidas. Os marinheiros estão sempre preparados para os reveses que se agigantam do nada – ouvia da boca dos mais experimentados na arte. Como não estava acostumado ao improviso quando era dono da sua vida sedentária, aprendeu a estar acompanhado pelo cálice da sobrevivência em mar alto.
Nos meses que levava embarcado já conhecera as estações todas. Andara pelos mares azuis nas proximidades dos trópicos, crestando com um calor que escorria em forma de suor pelo corpo cansado. Andara pelo Pacífico na América do sul, quando por lá era outono e o mar agreste trazia um bafo fresco que pressagiava os rigores do inverno daí a um lustro de semanas. Andara pelas monções no Índico e vira chover como julgara não ser possível. Fora até ao Ártico quando o inverno já dizia adeus e um punhado de icebergues obrigava o navio a ziguezaguear entre eles.
Este nomadismo, que era uma impossibilidade se viesse atrás no tempo, não o cansava. Andarilhava pelas sete partidas do mundo, com pouco tempo para ir a terra nos muitos cais, em tantos lugares diferentes, a que o navio aportara desde o começo da emigração nómada. Como dantes com o mar fundo, congeminou um pensamento simbólico que viesse de parelha com o ausente calendário das estações do ano. E ele, que tanto fora escravo do tempo quando ainda fora o tempo sedentário, soube que a autenticidade das coisas não autoriza que os seus intérpretes as forcem. Um calendário forjado anuncia o provável decesso das coisas, que perdem a espessura da autenticidade. Mas depois logo se abraçou a outras interrogações: e como sabemos que o calendário das coisas embota a sua autenticidade? E como sabemos que o calendário que tecemos vem a destempo?
Mas nem a ausência de calendário das estações para os embarcadiços que sulcam os oceanos todos, serviu de lição para oferecer resposta às interrogações.

Sem comentários: