In http://alunos.esffl.pt/16336/images/ESTAES~1.GIF
Outra lição do tempo que
levava embarcado na marinha mercante. Não fazendo o navio rotas habituais,
tivera de se habituar a uma contingência que desarranja o relógio biológico. As
estações do ano tinham perdido calendário. As rotas que eram errantes, pois as
encomendas ao armador assim mandavam, levavam o navio a percorrer a distância
entre duas estações antípodas em poucos dias. A indumentária era metodicamente
preparada quando as coordenadas da próxima ancoragem eram conhecidas. Os
marinheiros estão sempre preparados para os reveses que se agigantam do nada –
ouvia da boca dos mais experimentados na arte. Como não estava acostumado ao
improviso quando era dono da sua vida sedentária, aprendeu a estar acompanhado
pelo cálice da sobrevivência em mar alto.
Nos meses que levava
embarcado já conhecera as estações todas. Andara pelos mares azuis nas
proximidades dos trópicos, crestando com um calor que escorria em forma de suor
pelo corpo cansado. Andara pelo Pacífico na América do sul, quando por lá era
outono e o mar agreste trazia um bafo fresco que pressagiava os rigores do
inverno daí a um lustro de semanas. Andara pelas monções no Índico e vira
chover como julgara não ser possível. Fora até ao Ártico quando o inverno já dizia
adeus e um punhado de icebergues obrigava o navio a ziguezaguear entre eles.
Este nomadismo, que era uma
impossibilidade se viesse atrás no tempo, não o cansava. Andarilhava pelas sete
partidas do mundo, com pouco tempo para ir a terra nos muitos cais, em tantos
lugares diferentes, a que o navio aportara desde o começo da emigração nómada.
Como dantes com o mar fundo, congeminou um pensamento simbólico que viesse de
parelha com o ausente calendário das estações do ano. E ele, que tanto fora
escravo do tempo quando ainda fora o tempo sedentário, soube que a
autenticidade das coisas não autoriza que os seus intérpretes as forcem. Um
calendário forjado anuncia o provável decesso das coisas, que perdem a
espessura da autenticidade. Mas depois logo se abraçou a outras interrogações:
e como sabemos que o calendário das coisas embota a sua autenticidade? E como
sabemos que o calendário que tecemos vem a destempo?
Mas nem a ausência de
calendário das estações para os embarcadiços que sulcam os oceanos todos, serviu
de lição para oferecer resposta às interrogações.
Sem comentários:
Enviar um comentário