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Três meses desde que dissera
adeus à terra-mãe. (Não se achava minado pelo complexo de Édipo, mas metia-lhe
impressão que tanta gente gastasse na boca a palavra “pátria”. E metia-lhe
impressão porque a terra era mãe, a terra é uma fértil divindade feminina que
nos acolhe, seus frutos.) E três meses haviam passado sem um laivo de saudade
do que deixara para trás depois do navio ter zarpado para distantes paragens.
Dera consigo dias a fio sem
qualquer vaga lembrança da terra-mãe e de seus prósperos arcaicos – a família,
os amigos, os lugares, a língua, a música, as notícias que dessem um ar de como
andava a terra-mãe nas consumições com a crise. Três meses refugiado em mar
alto não eram guarida suficiente para o sentimento de falta – convencera-se. A
desconfiança vinha reforçada com o bafo da memória, pois partira em desacordos
com a terra-mãe. Três meses eram um espasmo que não deixava resgatar os alvores
da perda. Era tudo ao contrário: o tempo embarcado, na exaltação oceânica que
continuava a ser experiência retemperadora, confirmava a justeza da emigração
com destino incerto.
Quando a distração se
entronizava no céu que se fundia com o mar, outras interrogações levavam de
regresso mental ao que deixara na partida. Perguntava se a crise já tinha
comido os ossos da terra-mãe; quem, dos seus conhecidos, tinha vestido a
aprumada fatiota do desemprego; se havia discos novos e livros de novos autores
para descobrir; se havia novos amores e velhos desamores, crianças deixadas ao
acaso das dores de uma terra-mãe dilacerada por uma bubónica crise. Depressa arrematava
as interrogações. Penitenciava-se logo a seguir. Se não temia a consumição das
saudades, por que reprimia interrogações que denotavam perda pela terra-mãe?
Debatia-se neste paradoxo. Até que uma empreitada ditada pelo ajudante do
comandante, ou uma tempestade que obrigava ao atento plantão noturno que tirava
uma noite de sono, apagavam do pensamento o contrafeito paradoxo.
Uma noite, ao deitar,
aldrabava uma insónia contumaz quando outras interrogações espaçavam o sono
mais para diante. Em jeito de introspeção, admitiu que a ausente identidade com
a terra-mãe levara-o para fora, mal se congeminou a oportunidade fatal selada
com a desocupação a que fora entregue. Ficou-se a debater com estoutras
interrogações: e se a força da distância, em rima articulada com o tempo
sedimentado, fosse um ardil para devolver o sentimento de pertença com a
terra-mãe? Teria ela, em arranjo com capitalistas desapiedados que despejam
hordas no desemprego, cozinhado a emigração forçada com o propósito final de
nos emigrados resgatar a pertença através do sentimento de perda?
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