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A menina-morango tomava todas
as manhãs o 15-A. Sentava-se sempre no mesmo lugar, três fileiras atrás do
maquinista, do lado direito da carruagem. Era conhecida pela menina-morango
devido à propensão para envergar vestidos de um encarnado vivaz que a punham em
modos morangais, como se fosse um pequeno morango do bosque acabado de colher. Irradiava
frescura, mas tinha um rosto triste e fechado. Os olhos pareciam ter acabado de
marejar nas lágrimas de uma melancolia perdida na impureza das nuvens.
A menina-morango não fora vista
a meter conversa com ninguém em todos aqueles anos de rotina no 15-A. Um dia, o
maquinista mais jovial deixou o atrevimento falar em voz alta. Ia o elétrico
com pouca clientela, e toda ela se tinha arrastado até à parte traseira: não
havia melhor oportunidade. O maquinista não tinha segundas intenções, que a
menina podia já estar entrada nos vinte e poucos anos mas conservava uma
juvenilidade pré-adolescente. Consumia-se, como muitos habituais passageiros se
consumiam, com o silêncio perturbador da menina-morango. A interpelação foi um
vão. A menina nem desviou o olhar, perdido num qualquer horizonte desconhecido
que só ela sabia apascentar.
Um dia, da menina-morango
desprendeu-se uma sibilina lágrima. Uma velhinha perguntou se a disposição era
má, se havia carência de ajuda. A menina só respondeu quando a velhinha, já em
modos mais rudes, tocou no seu ombro e repetiu a pergunta com voz afinada para
a estridência. A menina assustou-se e reprimiu a lágrima com o dorso da mão. A
menina-morango era surda e muda. Respondeu com sons lúgubres envolvidos em copiosa
linguagem gestual (para a velhinha retesar os maus fígados). Desde esse dia, os
habituais passageiros olhavam com comiseração para a menina-morango. A motriz
da pena já não era a melancolia que enfeitava o rosto, ainda assim fino e
singularmente belo.
A menina notou a mudança. No
dia seguinte, deixou em casa os tons garridos da indumentária. Meteu-se numa
comprida vitualha negra, pintou os lábios e os olhos e as unhas com cores
enegrecidas e bolçou um sorriso à starlette
de televisão (orelha a orelha, tão expansivo como artificial). Nesse dia, não
desceu do elétrico na paragem habitual. Foi até ao fim da linha. Despediu-se do
maquinista quando este se preparava para sair e inverter a direção da carruagem.
A menina-morango já não tinha
o 15-A como seu elétrico. Mudou-se, na sua rotina sem desvios, para outra
linha, mais airosa e ribeirinha, que era menos frequentada até em hora de
ponta.
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