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Fora tudo súbito. Como já acontecera antes, uma decisão no rubor do momento abria a porta para degolar o impasse. Podia ser repentina, talvez até impensada. Podia ser que mais tarde houvesse arrependimentos a bater à janela pela resolução arrematada no fulgor do instante. Mas perante o precipício que se acusava por diante, o pior que podia vir era a estrepitosa queda no vazio.
Não houve tempo para dizer adeus. Não houve tempo para pegar no telefone e anunciar a resolução aos mais próximos. Mal conseguiu desfazer-se do arrendamento do andar, deixando instruções ao senhorio para licitar os pertences pela melhor oferta, sem pressa no leilão. Passou o tempo derradeiro com burocracias irremediáveis e a deixar procurações a quem o pudesse fazer por ele quando ele já fosse ausência. Na azáfama dos dias derradeiros na cidade que fora seu cais, queria acender uma vela pelos lugares marcantes, pelas pessoas a quem queria deixar um afeto, num último olhar pela luz clara que tomava conta dos dias que amanheciam emprestando uma cor singular à cidade. Mas fora tudo tão súbito que os planos foram abortados à boca de cena dos pensamentos que ainda conseguiam vogar antes da partida.
Não era má ideia partir sem os adeus da partida. Não queria incendiar a nostalgia. Não era – precisava de o ajuramentar, como convencimento interior – pela terra que estava a deixar; não era pelos sinais de pertença que são o cimento da identificação, que esses andavam ausentes já nem se lembrava desde quando. Não queria ser consumido pela nostalgia quando aportasse a lugares que trouxessem parecenças com a cidade que sempre fora a sua. Para essas dores chegariam (adivinhava em antecipação) as memórias que não podem ser diluídas. O derradeiro tempo na cidade sua hospedeira fora tão voraz que os temores da resolução não chegaram sequer a ponto de banho-maria. A efervescência com a mudança devolvia ao esquecimento a melancolia que, a ser viável, sê-lo-ia antes do tempo. Ainda bem que não havia tempo para abotoar os adeus que seriam devidos noutras condições.
No dia marcado chamou um táxi e meteu os pertences emalados na bagageira com a ajuda do taxista. “Para o porto, por favor”, ordenou. O taxista não demorou a saciar a curiosidade: “o senhor vai ser embarcadiço?” Depois de anuir enquanto olhava de esguelha para as ruas que iam até ao porto, desinteressando-se da conversa com o condutor, meditou na emigração que escolhera. Não seria emigrante num sítio só, que os meses transatos foram bons conselheiros para a canseira que seria aportar a um só sítio novo. O nomadismo dos embarcadiços na marinha mercante seria a sua emigração. E nem a solidão dos mares sulcados por dias a fio, sem vestígios de terra firme sob a mira do olhar, o intimidou.
O nomadismo pelos oceanos, sem saber a que portos ancorar, era a digressão interior que sentia precisar.
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