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A mentira tem perna curta.
Apregoam moralistas que enchem a boca com a moral da verdade e outras virtudes
do mesmo carácter. Nunca contaram uma mentira (suponho). E, todavia, continuam
a contar o conto do vigário, o da mentira com perna curta – que é como quem
avisa, na curva da estrada a mentira encontra um alçapão, desmascarada pela
verdade beatífica. Talvez a maior mentira que se pode pregar no dia das
mentiras, é certificar que a mentira tem perna curta. Quem pode assegurar o
volume de mentiras que foram sepultadas como o seu contrário?
Mal dos mitómanos, que o
primeiro de abril lhes é consagrado. Mas será só a eles? Que ponha o dedo no ar
quem nunca entoou uma mentira, não interessa se das grandes (se é que a mentira
tem graus) ou das pequenas, ou daquelas que passam pela omissão das coisas como
elas foram. O dia das mentiras é o dia de todos nós. Tiramos daqui os
mitómanos. O dia das mentiras não pode ser o seu dia. Esses são os outros trezentos
e sessenta e quatro dias do ano (se ele não for bissexto).
Hoje apetecia começar o texto
com a seguinte proposição: “hoje não há texto, não encontrei assunto para a
escrita diária, vou deixar as linhas do papel em branco”. Estas palavras eram a
negação do meu enunciado. Eram mentira. Pois as palavras anunciando a ausência
de texto eram um texto, nem que fosse um texto a avisar que não haveria outro
texto se não o que se compunha nas estrofes da anunciação da preguiça. Podia
ser um pretexto para iludir a falta de inspiração. E do nada, da
implausibilidade de um tema, disso fazer inspiração para um texto a negar um
texto. Era apanhado na curva traiçoeira da estrada onde se pretende provar que
as mentiras têm perna curta.
O mal é quando a neblina que
embacia o olhar é tanta que não se consegue saber onde começa a mentira. A
confusão mental cava fundo. E há quem minta sem dar conta, tão assoberbado pela
ilusão em que é acantonado que não lhe é dado a saber que a realidade
construída é uma miragem. É a mentira não consciente. Pode ser por falta de
lucidez, pode ser doença, ou uma abstração de tudo que oculta as vagas frias
que são pedidas para aclarar as nuvens pesadas diante dos olhos.
As mentiras não são todas
criminosas. Nem todas são aceitáveis no dia das mentiras. E as patranhas ensaiadas
para fazer jus ao dia delas são inocentes açoites na verdade sem que sejam profetas
de uma inverdade qualquer.
O primeiro de abril é o único
dia em que os mitómanos só contam verdades.
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