In https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhNpCgwj9GIHBssdC-OwSqbgGRkJmEyGsGK4GZ5Vd_in0jAcY9G2d1ByrJuRPYaNfYIsgf7M3cgfzEvr2befaPxn8ci9jCMnxfGr11JW0HRkUVvQfONu6HZslLdZTBDGVOOEKUT5w/s1600/bologna_astrologia.jpg
O suor pingava do rosto da
astróloga, escorria pelas rugas pousando na cama feita pela curvatura do buço.
Ele não reprimia um riso pelo canto da boca, um riso de desdém – afinal tanta
gente insistira para que fosse “fazer a carta astral”, que podia ser que os
tantos males de que não havia safa pudessem ter diagnóstico na leitura dos
astros, e a tarefa parecia tropeçar nuns imponderáveis que os astros não dominavam.
Parecia mal parada, a coisa.
Ele dera toda a matéria-prima à astróloga: data e hora de nascimento, mais o
lugar que o viu parir, os dados dos progenitores também. Ela entrara confiante,
como deve ser o caso depois tantos anos a perguntar aos astros como são as
pessoas. Depressa começou a perder a paciência, pois ele rejeitava cada
atributo angariado pela carta astral. Os astros diziam que era sensível, ele
tratou de vomitar um pedaço da boçalidade por que era conhecido. Os astros
anunciavam-no dinâmico, seria um (como agora está na moda dizer-se)
“empreendedor”. Atónito, deu provas de preguiça. A astróloga arranjou mais uns
predicados diligenciados pela combinação de equações e bissetrizes traçadas na
carta estendida diante dos seus dedos: mandavam dizer os dados catalisados
através da carta que ele era ambicioso, implacável, desportista, distraído,
sociável, sedutor, desprendido consigo (não curava da estética).
Um a um, negou todos os
atributos. A astróloga começou a transpirar, protestando contra a falta de
colaboração do homem. Perguntou se não estava a boicotar a sua peritagem em
decifrar a alma das pessoas através da largueza dos astros. Ele respondeu que
não, que respeitava a função, que estava a ser honesto com a astróloga; se não,
o que o levaria a consultar a astróloga, a gastar todo aquele dinheiro, só pelo
prazer de a desmentir?
A senhora sexagenária ajustou
o lenço de cores garridas que tapava o cabelo e perguntou, talvez em desespero
de causa, se tinha a certeza de ter nascido naquele dia, àquela hora, no local
informado. O homem ganhou a mesma falta de paciência que notara na astróloga. Disparou
uma pergunta em jeito de resposta: “quer
a senhora lá ver que os meus pais também não são meus pais? Ou que eu sou como
aqueles atletas africanos que, vem-se a descobrir depois, já foram pelo seu pé
fazer o registo de nascimento?”
A astróloga não admitia estar
errada. Pediu mais uns minutos para repetir os cálculos – ele havia software que cuidava de agilizar a
função. Os resultados foram os mesmos. Aquela pessoa que nascera no dia e hora
indicados, no sítio que fora, com os progenitores que conhecera como seus pais,
não quadrava com os astros. A astróloga recusou o óbvio (que fossem os astros a
não quadrar com aquela alma) e lavrou sentença lapidar: “o senhor é uma aberração, só pode ser. Os astros falam num sentido e o
senhor assegura-me o seu contrário...só pode ser aberração”.
O homem levantou-se da
cadeira, resoluto, pegou na cabeça da astróloga encoberta pelo lenço de cores
garridas e pespegou um beijo sonoro em forma de agradecimento.
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