In http://1.bp.blogspot.com/-_FeD3SyFXRU/UPnbAV4TM8I/AAAAAAAAwRQ/sKheLc9Fh-E/s400/Telegrama.jpg
A meio da tarde, passeava
pelo convés sem nada que fazer, um marinheiro berrou pelo seu nome desde o
varandim da torre de comando. Telegrama para ele. Um sobressalto. Só podia ser
notícia de catástrofe, que as boas não chegam sem aviso. Lembrara-se de dar a
um punhado dos seus mais próximos o contacto do barco, não se desse o caso de
alguém morrer e ele nem chegar a saber. Os pais já andavam em idade avançada,
quando uma maleita vem de repente e noutro repente desembaraça a gente da vida.
Se tal acontecesse, podia ser que não estivesse longe de um aeroporto e ainda
viesse a tempo do adeus derradeiro.
Subiu as escadas da torre de
comando em trote acelerado, tão acelerado como o batimento do coração. Pegou no
papel, ainda esbaforido, notando que os outros à sua volta já o olhavam com
olhar piedoso (estavam acostumados ao ar sisudo de quem recebe a bordo notificações
de falecimentos). Era o Carlos que mandava dizer que o Aníbal tinha morrido.
Pelo meio do sossego que veio
de volta (não tinha sido o pai ou a mãe), não chegou a sentir pesar. Pelo
sossego que regressou e por não ter sido invadido por comiseração. Nem que o
Aníbal tivesse a sua idade – e nesta idade era ainda cedo para estes adeus, o
que podia fazer levitar a comiseração. O Aníbal era amigo de infância que, quando
os caminhos se transviam e as pessoas deixam de se frequentar, passou a ser
apenas uma memória da infância e da adolescência até ele ter escolhido uma
espiral de catástrofes. Tinham amigos em comum. E estes é que viam o Aníbal
amiúde. Ele encontrava-o por acaso, com uma frequência repetitiva que até fazia
crer que a grande cidade era um lugarejo onde todos tropeçam nos outros. Foi espetador
da decadência do Aníbal. E de cada vez que se encontravam, trocavam umas palavras.
Ou melhor, era um monólogo de lamentações do Aníbal, que fazia questão de
narrar as últimas peripécias. Foi assim que soube que o Aníbal se metera nas
drogas duras, que andara pela prisão duas vezes, que estivera com a vida por um
fio depois de uma rixa, que já fora casado quatro vezes e tinha sete filhos de
três dos casamentos, e o mais de desgraças que foi contando sempre que
esbarravam um no outro.
A última vez que viu o
Aníbal, ia cheio de pressa no seu Peugeot a cair aos bocados, com um ar
tresloucado que deixava adivinhar o pior. Notou que o para-brisas do carro
estava esburacado do lado esquerdo, os raios que saíam do orifício deixando
perceber que fora uma bala a estragar o vidro. Olhou para o resto do telegrama.
Só depois é que juntou as pontas: o Aníbal tinha sido alvejado a tiro de
metralhadora.
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