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Não recusava os encontros
fortuitos quando desembarcava. Que um homem padece no golfo estreito das
necessidades do corpo. Mas eram encontros fortuitos, noites mal dormidas
abandonadas nos lençóis desarrumados de um quarto de hotel incógnito – como
incógnita era a companhia casual arranjada em bares nas ruas movimentadas das
cidades onde aportava. Nunca quis que passassem de acidentais, como se fossem
acasos que aconteceram e não estavam registados para voltar a acontecer. Nunca
as mulheres que o viram partir propuseram a possibilidade de repetição. Elas
sabiam que ele era embarcadiço – e se calhar era isso que procuravam, encontros
que não passavam do singular sabendo que o marinheiro depressa iria em demanda
de outros portos, de outros corpos.
Daquela vez foi diferente.
Numa escala de três dias numa cidade nórdica, estava o inverno severo, um
encontro fortuito tropeçou na pluralidade. Numa ida a bordo, pediu ao
comandante uma semana de férias que sobrava do ano anterior. Perguntou onde era
a próxima escala do navio e prometeu apanhar um avião para embarcar na data em
que o navio levantasse âncora desse porto. Não demorou a deitar-se nos braços da
sereia nórdica. O mar e as artes de que era curador a bordo do navio deixavam
cicatrizes no falar, até no pensar. Ela não se incomodava quando ele a chamava
sereia. Achava poético. Durante aqueles dias, só saíam de casa para recrutar
mantimentos. Demoravam-se o tempo apenas necessário, que o frio era glaciar e
mal se podia andar na rua.
Na véspera da abalada, ela
pediu-lhe que ficasse. O marinheiro ficou inerte, o olhar pregado ao candeeiro
que descia do teto. Sem palavras. Debateu-se em seus pensamentos. Ela percebeu.
Percebeu que ele não era homem para deixar raízes num sítio. Não tinham falado
da sede de emigração nómada que o levara a partir de casa. Mas sentiu, por
entre as palavras ditas, que era disso que se tratava. Aninhou-se no peito
ainda suado dele. Ele acariciou os longos cabelos ruivos da sereia. Sabia que a
sereia tinha sido depositária de tantos segredos. Nunca julgara poder contar
tantos segredos a quem quer que fosse num tempo tão pouco. Adormeceram
entrelaçados.
A manhã seguinte era quando
tinha de fazer as malas para apanhar o avião. Tomaram o pequeno-almoço em
silêncio. Foram até ao aeroporto em silêncio. Apenas trocaram olhares, sinal de
uma combustão que tinha de ser acalmada. Na porta de embarque, não sabiam se
alguma vez se voltariam a ver. A sereia beijou-o, ternurentamente, e disse-lhe:
“eu sei, marinheiro, que não és homem de
lançar âncora.” E ele, com um olhar subitamente marejado, gaguejou: “Pois não. Lamento. Mas não te esqueças,
sereia, dos segredos que te contei. Do que eles contêm. E do que eles
significam.”
A sereia ficou sem saber se
aquelas palavras eram uma promessa de regresso.
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