5.4.13

Ar tépido


In http://sicnoticias.sapo.pt
Entre a escala técnica, o desembarque de mercadoria e uma revisão à casa das máquinas, sete dias de descanso numa ilha exótica no mar das Caraíbas. Os marinheiros tinham ordem para irem a terra. Podiam gastar aquele tempo como lhes aprouvesse.
Ainda o navio não lançara âncora e ouvia os planos dos outros marinheiros. Uns perder-se-iam na bebida. Outros iriam à procura da fortuna num casino. Outros queriam puxar galões ao Casanova que o espelho neles sobredimensionava por causa das semanas a fio sem descer pé em terra – e, assim como assim, havia turistas que iam em demanda de romance. Outros, mais pragmáticos ou não tão confiantes nas capacidades, consultavam manuais sobre prostíbulos nos arredores da cidade. Outros aproveitariam o porto franco para gastar dinheiro em mercancias a preço de saldo. Ele, que não fizera grandes intimidades com os outros marinheiros, escutava daqui e dali mas não bebia a excitação dos demais. 
Quando as tarefas dos embarcadiços findaram e a ordem para ir a terra veio pela voz do ajudante do comandante, foi vê-los a descerem as escadas do navio em passo apressado. Ele não perdeu a calma. Arrumou o quarto, pôs uns objetos na ordem a que pertenciam (a noite anterior fora de tempestade e o mar fizera-se agitado), tomou banho e só depois saiu. Não sabia o que mais estranhava: se meter pé em terra depois de tanto tempo com o mar por companhia, se o ar tépido e insuportavelmente húmido que era exalado das entranhas. Não fez planos para a visita à ilha. Quase todos os outros marcaram quartos em pensões perto do bairro da prostituição. Deitou-se a adivinhar: deviam ser casebres insalubres. Preferiu o relativo conforto do que lhe era dado a conhecer – o exíguo quarto na subterrânea parte do navio.
Meteu os pés ao caminho, sem sequer as mãos e os olhos se deitarem num mapa local. Já sabia que não precisava de bússolas para haver orientação – ou nem havia mercê na orientação do que fosse. Era sem destino, o passeio. Comeria onde calhasse, quando a fome cuidasse de fazer falar o estômago, nos sítios de onde viessem aromas que fizessem cobiça ao paladar. Teria tempo para ir à praia, experimentaria as águas mornas que o mar tinha na ilha. À noite, perder-se-ia entre a animação local. Sem planos. Se quisesse mais animação, levantaria a cancela ao álcool. Pela amostra das primeiras horas, viesse o que viesse, aqueles dias seriam a combustão do suor por causa da atmosfera tépida que nunca aliviava.
Ao terceiro dia ainda não tinha regressado ao navio, tanta a farra que deixava a noite juntar-se ao amanhecer, como se nunca houvesse fronteira entre a luz e a sua ausência. Lembrava-se de pouco. Talvez tivesse consumido muita bebida. Talvez tivesse caído em encontros fortuitos. O ar tépido tinha-se colado ao corpo, que deixava o mesmo odor pestilento que vinha dos nativos no ocaso do dia. Regressou ao navio. Nos restantes dias não ousou vir a terra. As convulsões foram tantas que tinha medo de lá voltar – e mais medo ainda de conseguir recordar por onde andara e o que tivera a feição de tanto mal-estar lhe causar. 

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