22.4.13

Bodo aos pobres


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O magnata foi honrado por uma alvorada singular. Tudo era leveza, o peso do ar era bitola para o peso das coisas, das inquietações, dos opróbrios que dia sim, dia sim, tombavam sobre ele. Era conhecido por travar batalhas implacáveis com os sindicatos. Nem aos mais íntimos confessava como os sindicatos o arreliavam. Não era discurso aceitável pelos padrões politicamente corretos. E o discurso incorreto podia ser uma autofagia para os negócios. Quando havia negociações com os sindicatos, não mandava ninguém. Sentava-se à mesa onde eram as negociações e falava de igual para igual com os sindicalistas. Só por isso conseguiu o respeito dos sindicalistas. A admiração não era recíproca.
Naquele dia em que o sol tinha ganho uma luminosidade insólita, o magnata desdenhou os planos dos estrategas pagos a peso de ouro: apetecia-lhe ser generoso. A começar nas empresas do conglomerado de negócios. Depois iria pelas ruas da cidade, acompanhado por uns homens da logística, a praticar prodigalidade. Os estrategas ficaram lívidos quando o magnata passou a ordem: os sindicatos pediam três por cento de aumentos e outras regalias, o conglomerado de negócios ia pagar mais dez por cento e aceitava todas as regalias pedidas. Um gestor esboçou umas contas rápidas no computador, esbracejando a irracionalidade do magnata. Este não se incomodou com os avisos: com um aceno de mão autoritário, ordenou que parasse que a decisão já estava tomada. Não havia recuo. O gestor ainda insistiu. O dono das empresas levantou-se do lugar, contemplou o céu claro do alto do arranha-céus onde eram os escritórios e, enquanto caminhava para a porta, retorquiu que não lhe interessavam essas contas. “Em dúvida, posso cortar o seu salário para metade. Ou concluir que as suas funções são prescindíveis”, disparou, seco.
Os sindicatos desconfiaram que o velho empresário tivesse uma carta na manga. A fama de avarento não era desmentida pelo próprio. Não tinha os trabalhadores em boa conta e cultivava a distância (não cumprimentava os trabalhadores com quem se cruzava entre o parque de estacionamento e o escritório). Os sindicalistas procuraram chegar à fala com o magnata. Queriam explicações. O magnata continuou a jogar paciência. Compreendia que os sindicalistas tivessem motivos para desconfiar. Recebeu uma delegação de cinco sindicalistas. Sossegou-os: se preciso fosse, assinava documento notarial a assentar a generosidade que tivera decidido. Um dos sindicalistas perguntou se tamanho aumento de réditos não levava as empresas à falência. O magnata perguntou ao rapaz se não queria substituir um gestor no topo da hierarquia. Assim como assim, tanta diligência pelas finanças da empresa e conhecimento da área qualificavam o sindicalista para ser gestor. Estava tomada outra decisão insólita: o rapaz deixaria de ser sindicalista e passaria para o conselho de administração do grupo de empresas. Podia pedir o salário que quisesse.
Os outros sindicalistas ficaram emudecidos. Tanta generosidade não quadrava com os manuais de combate por que se regem. Estavam tão mal paradas as coisas para os delegados sindicais, e tão assarapantados se encontravam, que só lhes ocorreu a demissão. Durante dois meses, ninguém os quis substituir. Do magnata, só se não sabia se a generosidade fora autêntica ou apenas um ardil. Nem se sabia se o esvaziamento dos sindicatos fora planeado ou apenas um acidente de percurso ao cabo da generosidade singular.

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