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O magnata foi honrado por uma
alvorada singular. Tudo era leveza, o peso do ar era bitola para o peso das
coisas, das inquietações, dos opróbrios que dia sim, dia sim, tombavam sobre ele.
Era conhecido por travar batalhas implacáveis com os sindicatos. Nem aos mais
íntimos confessava como os sindicatos o arreliavam. Não era discurso aceitável
pelos padrões politicamente corretos. E o discurso incorreto podia ser uma
autofagia para os negócios. Quando havia negociações com os sindicatos, não
mandava ninguém. Sentava-se à mesa onde eram as negociações e falava de igual
para igual com os sindicalistas. Só por isso conseguiu o respeito dos
sindicalistas. A admiração não era recíproca.
Naquele dia em que o sol
tinha ganho uma luminosidade insólita, o magnata desdenhou os planos dos
estrategas pagos a peso de ouro: apetecia-lhe ser generoso. A começar nas
empresas do conglomerado de negócios. Depois iria pelas ruas da cidade,
acompanhado por uns homens da logística, a praticar prodigalidade. Os
estrategas ficaram lívidos quando o magnata passou a ordem: os sindicatos
pediam três por cento de aumentos e outras regalias, o conglomerado de negócios
ia pagar mais dez por cento e aceitava todas as regalias pedidas. Um gestor
esboçou umas contas rápidas no computador, esbracejando a irracionalidade do
magnata. Este não se incomodou com os avisos: com um aceno de mão autoritário,
ordenou que parasse que a decisão já estava tomada. Não havia recuo. O gestor
ainda insistiu. O dono das empresas levantou-se do lugar, contemplou o céu
claro do alto do arranha-céus onde eram os escritórios e, enquanto caminhava
para a porta, retorquiu que não lhe interessavam essas contas. “Em dúvida, posso cortar o seu salário para
metade. Ou concluir que as suas funções são prescindíveis”, disparou, seco.
Os sindicatos desconfiaram que
o velho empresário tivesse uma carta na manga. A fama de avarento não era desmentida
pelo próprio. Não tinha os trabalhadores em boa conta e cultivava a distância (não
cumprimentava os trabalhadores com quem se cruzava entre o parque de
estacionamento e o escritório). Os sindicalistas procuraram chegar à fala com o
magnata. Queriam explicações. O magnata continuou a jogar paciência. Compreendia
que os sindicalistas tivessem motivos para desconfiar. Recebeu uma delegação de
cinco sindicalistas. Sossegou-os: se preciso fosse, assinava documento notarial
a assentar a generosidade que tivera decidido. Um dos sindicalistas perguntou
se tamanho aumento de réditos não levava as empresas à falência. O magnata
perguntou ao rapaz se não queria substituir um gestor no topo da hierarquia. Assim
como assim, tanta diligência pelas finanças da empresa e conhecimento da área
qualificavam o sindicalista para ser gestor. Estava tomada outra decisão
insólita: o rapaz deixaria de ser sindicalista e passaria para o conselho de
administração do grupo de empresas. Podia pedir o salário que quisesse.
Os outros sindicalistas
ficaram emudecidos. Tanta generosidade não quadrava com os manuais de combate
por que se regem. Estavam tão mal paradas as coisas para os delegados
sindicais, e tão assarapantados se encontravam, que só lhes ocorreu a demissão.
Durante dois meses, ninguém os quis substituir. Do magnata, só se não sabia se
a generosidade fora autêntica ou apenas um ardil. Nem se sabia se o
esvaziamento dos sindicatos fora planeado ou apenas um acidente de percurso ao
cabo da generosidade singular.
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