In http://www.infoq.com/resource/news/2009/11/good-agile-metrics/en/resources/measure.jpg
Olho as flores. As cores e os
aromas que delas proveem. Olho a mobília dos jardins, santuários por onde
apetece demorar. Olho ao céu e aferrolho os olhos para não os deixar feridos
pela luz do sol. Olho por entre as nuvens, por onde se acama o azul que tinge o
céu embotado pelas nuvens dispersas.
Vou mais longe com as pernas
em mecânico andar. Olho o mar, como se compõe na sua quietude apesar do vento
que sopra mediano. Olho os velhinhos de mão dada, como se fossem juvenis
namorados. Olho os automóveis indiferentes, as mansões pomposas, o luxo mausoléu,
as donzelas em precário equilíbrio em cima de finos saltos altos, o mendigo do
outro lado da esquina estendido no chão a curar a bebedeira que as parcas esmolas
puderam comprar. Olho a chuva que destronou o tempo soalheiro. E olho depois para
o sol que descompôs a chuva sem arco-íris mediador, como manda evaporar a água
do chão perfumado com o odor da terra molhada. Olho, com olhos de olhar, as
letras que interessam num livro recolhido ao acaso. Sublinho as que apetece, um
pouco ao acaso. Ato os sublinhados para ver se são frases inteligíveis, se os
olhos distinguem um fio condutor entre as palavras destroçadas.
Olho os jovens sem vagar, as
donas de casa apressadas a caminho da lida doméstica, uma senhora polícia
preenchendo a eito o livro de multas, o autarca emproado requisitando
genuflexões dos acólitos sem espinha, o músico embriagado com o corpo arqueado
sobre o sofá do hotel, a mãe no assento da frente do comboio que, sem pudor,
mete o seio ao leu e amamenta o bebé, uma corça arrancada da margem do lago por
um crocodilo esfomeado (na televisão), o taxista em acelerado débito de impropérios
enquanto escuta o noticiário numa estação de rádio. E olho o entardecer que
decai à medida que o copo de vinho se esvazia. Deitando os olhos ao tempo de trás
para a frente, enquanto os dentes se arpoam no freio solto do tempo por vir.
Olho tudo o que posso olhar, senhor
de uma avidez singular. O olhar é testemunha do pulsar à volta, e pulsa com a
sua agitação. Sem deixar que reveses se teçam num teia que sequestra os
sentidos e as palavras. Olho por saber que olhar é sentir o viver. E olho, com
a singular avidez, como prova de vida que se insurge contra o torpor.
1 comentário:
« Le véritable voyage de découverte
Ne consiste pas à chercher de nouveaux paysages
Mais à avoir de nouveaux yeux. »
Marcel Proust
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