9.5.13

À noite não há sombras

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Os ossos das mãos tremiam. Seria do frio, seria do medo da noite. Tremiam. As palavras ecoavam no refúgio da memória, incandescentes. Não deixavam que as memórias desaguassem em sua foz, que se perdessem com as águas fluviais na vasteza do oceano que viesse a ser seu leito. Mantinham-se trémulos os ossos das mãos, os dedos entaramelados na avidez de um amanhã diferido.
Os olhos percebiam a altivez do tempo presente. Era uma muralha por diante com pedras pontiagudas e musgo pegajoso, para que as mãos não ousassem por ela trepar. A muralha escondia a alvorada que, tal como um qualquer amanhã, estava em mora. O corpo sitiado pela muralha era pertença de uma por sempre noite, uma noite que segava o sono e se metia por dentro dos ossos que amparavam a larga estatura do corpo. Os olhos espreitavam ao alto, passavam a pente fino o céu que se punha além do horizonte que o pétreo muro deixava saber. Conseguiam lobrigar uma frágil claridade a desprender-se do céu escuro, uma promessa de madrugada que depunha a noite recalcitrante.
A cima e a baixo, percorrendo as porosidades da muralha em demanda de uma fraqueza que pusesse as pedras em ruínas, as mãos cansadas não se demoviam. O tempo passava, e o amanhã que se ouvira sussurrar em personificação de um oásis desconhecido adelgaçava-se no fio do cansaço. As mãos, agora em ferida, não capitulavam. Desenharam um mapa das partes da muralha já desemaranhadas. Faltava outro tanto e as mãos antolhavam-se, sedentas de mais pedra por desenganar. Por isso tremiam. Não era do frio, que nem a invernia conseguira arrebatar a combustão interior que alimentava o corpo. E não era por medo de outro tanto haver por esquadrinhar.
Porventura não viria o amanhã de que houvera convencimento ser um lugar melhor. Mas ao menos a noite, a habitual noite que era sumptuosa morada da usança, não escondia nada. Nem as sombras que podiam ser o ardil montado para logros entronizados, quando deles se julgara serem convictas audácias. 

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