In https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiRONNQNTQOuii3gaf0wTEfvYp6dcjnGfWMvRqYMpj57LfsQi81ewSbhmd14gYSJvfwPH7d8iz1oN76Gc-4RBdzh87s2_yglVbLydYZbLkcS0l23bFEKjxsRBDQ4jXX2IrTARa0/s400/nenhures.jpg
O arquiteto era figura grada
da cidade. Homem notável, assíduo dos salões sociais e em ações beneméritas,
eram conhecidos os méritos de praticar o bem em prol do próximo, a intensa vida
cultural e a escrita prolífica.
No seu atelier foram alinhavados os esboços de alguns edifícios
emblemáticos da cidade e algumas obras públicas que a cidade, em indulgência
dos representantes eleitos, lhe encomendou. Jovial, não recusava cumprimentos
aos anónimos com que se cruzava na rua. Houve uma altura em que alimentou a
esperança de ser o candidato à autarquia por um dos principais partidos. Não
fora a sua independente condição, e umas críticas ainda mal digeridas pelo
aparelho do partido, e podia ter sido presidente da câmara. O mal fora dos menores,
que depressa se convenceu que a ambição política seria lida pela gente quase
toda, quando o que ele queria era servir a cidade que ainda estava precisada de
um ordenamento de território – coisa da sua especialidade, que ensinava em
universidades.
O arquiteto gostava de ser
conhecido na rua. Era figura quase consensual pela bondade que praticava e
porque escapava a qualquer peleja que um adversário (que os há sempre)
provocasse. Não gostava de celeumas, detestava que o metessem numa vara de sete
paus em que a polémica fosse gratuita matéria-prima. Alimentou, durante anos a
fio, um sonho secreto (só partilhado com a consorte): queria que o seu nome
ficasse imortalizado numa rua qualquer da cidade. Numa já existente, atirando
para o esquecimento o nome que lá estivesse. Ou numa artéria nova, que
carecesse de batismo. Preferia esta hipótese. A aspiração quadrava com a carência,
um pouco narcísica, de obter reconhecimento público.
Mas houve outro dia, depois
de muito tempo a marinar a ambição a um pedaço de toponímia, em que acordou
virado do avesso. Estava cansado de ser figura pública. Cansado de fazer de
conta que praticava, desinteressado, a bondade para os desprotegidos. Cansado
dos salões sociais onde abundava frivolidade e hipocrisia (tanto que mesmo ele
fora contagiado pela maledicência militante dos salões). Cansado de simular
entendimento erudita das variadas formas de vida cultural a que comparecia só
para marcar presença. Nesse dia tomou uma resolução: não fosse um vindouro
autarca lembrar-se de imortalizar o seu nome na toponímia local, verteu em
testamento a terminante proibição de o seu nome ser tomado de empréstimo para a
toponímia da cidade.
Mudou de planos: já não
queria ter uma rua com o seu nome.
Sem comentários:
Enviar um comentário