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O corpo inteiro. A alma
inteira. Abraçada ao corpo. Os dois, enfim, em uníssono. Deixaram os medos de o
ser. As facas longas são plumas que expurgam os vestígios sem serventia.
Inteiras, as alvoradas delapidadas por tanta gente, crescem com o corpo que
abandona o torpor da noite. Os olhos detêm-se em palavras magas, debruadas pelo
ouro de um poema.
As mãos, as tangíveis mãos,
vão à água fria beber sua força. O corpo sem dores. A alma lavada. As facas que
deixaram de ser punhais ameaçadores. As flores vicejando nas árvores podiam ser
o simulacro de outro tempo, mas são as fores no seu tempo – do seu tempo.
Ávidas pela respiração do ar reembolsado pelas manhãs soalheiras, como ávidos
são os olhos baços que se defenestram em viagens de solidão. Pois o corpo
inteiro e a alma em demanda da inteira condição precisam da sua solidão. Para
irem ao fundo de si e encontrarem os sedimentos que trazem ao de cima, fertilizando
o chão cansado à espera de ser espertado.
E o corpo inteiro deixa o
tempo madraço, cavalga nos contrafortes da montanha audível de onde as aves
trazem em seu dorso os fósforos que vão atear o tempo recomposto. O corpo
inteiro a caminho da alma que está quase a deixar de ser um manto de estilhaços.
Os fragmentos não têm serventia, são meras ruínas. Para ser inteira, a alma
repensa-se. Quer purificação – e sabe que a purificação não vem em manuais, desfolha-se
em amarelecidas páginas escondidas num recanto escuro do ser. A alma é inteira
quando se soergue desde as ruínas que foram sua alcateia e consegue amparar-se
sem esteios. Os olhos levantam-se e conseguem ver a luz clara que provém da
alvorada. Estão preparados para toda a luz que vier, para as trevas que tiranetes
quiserem açambarcar como armadilha à inteiriça condição. Já não importa o resto.
Pois o resto perdeu o valor ao saber que o corpo se irmanou na alma, os dois
inteiros como as memórias não têm reminiscência. Agora as rosas podem ser das
cores que lhes aprouver. Os pássaros podem entoar os seus cânticos que não
deixam de ser sibilinos mas doces ao ouvido. O porvir é apenas uma medida
esquecida do tempo. E as mãos regressam, as vezes que forem precisas, à água
fria na sua insaciável busca por nutriente.
Agora, corpo e alma levitam
na sua inteireza, apurando as arestas que deixam de ser dentes afiados a
rasurar as curvaturas do corpo e da alma. Inteiro, o corpo é um diamante em
bruto que não precisa de lapidação. A alma, deixada à sua inteireza, é uma
janela aberta de onde todo o tempo e todo o espaço se abraçam aos olhos.
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