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Os tempos estão escuros. Mas, paradoxalmente, são propícios ao humor. De
primeira água. Ou isso, ou há gente que entrou definitivamente na decadência
mental.
Sua excelência, o presidente da república, estava numa excitação singular
depois de conhecida a sétima avaliação da troika.
Foi um sucesso. Dizem que é a prova que a via sacra da austeridade não nos
levará ao caminho das pedras, antes ao alpendre do oásis. Os negociadores
estrangeiros, os tais que mandam em nós hipotecando a soberania nacional (de
acordo com muitos profetas da desgraça), ou os tais que estão mancomunados com
o governo e atuam como seu testa-de-ferro (na fantasiosa versão do lone rider Pedro Lains), devem ter ido em visitação turística
ao santuário de Fátima entre duas reuniões com Gaspar e seus técnicos. E
ficaram tão arrebatados que deram o beneplácito aos progressos do ajustamento.
Cavaco, com a inspiração da omnipresente Maria (a consorte), anunciou em
voz invulgarmente trémula, com a comoção a raiar as palavras, que a inspiração
de Nossa Senhora de Fátima convenceu os negociadores da troika a caucionarem a avaliação benquista da economia portuguesa.
Cavaco não podia ser mais verrinoso para o governo.
Entrámos numa nova dimensão. Já não precisamos de colocar a economia nas
mãos de um tecnocrata com reputação internacional e odiado, a cada dia que
passa, pelos concidadãos a quem suga mais impostos. Qualquer um pode ficar com
a pasta das finanças e tomar a seu cargo as dores de parto dos complexos
processos de ajustamento económico. Tem é de ir à missa com regularidade e
fazer as preces matinais, vespertinas e ao serão, antes de se deitar com as
dores da economia e os vitupérios da população ditos em surdina ou em viva voz.
E deve prometer, esse ministro das finanças, que se os milagres económicos
forem materializados, meterá as pernas ao caminho em peregrinação até ao
santuário de Fátima para agradecer a graça com inspiração beata.
Mal ficará, doravante, a profissão de economista (que já não andava nas
boas graças dos demais, tantos os desacertos na análise e nas previsões). Com
esta dimensão metafísica da economia, a fé nos pastorzinhos falando mais alto
do que a elaborada análise econométrica que é cais de abrigo a modelos
económicos que se julgam infalíveis até a realidade provar que o não são, aos
economistas fica prometido desemprego. Podem ser substituídos por padres, que
já estão habituados a usar sotaina e a recitar de trás para a frente o velho e
o novo testamento. A fé trata do resto. Os ficheiros Excel serão dispensáveis.
Só não se sabia que o presidente da república é embaixador do Vaticano.
Aguarda-se, com notória curiosidade, a reação do maior beato entre os
economistas (João César das Neves).
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