In http://franciscofalconi.files.wordpress.com/2008/07/algemas.jpg
Era pacato. Fleumático de
mais, não questionava a autoridade quando os agentes respetivos lhe metiam a
mão e o traziam para a esquadra. Ele também não fazia perguntas – como não fez
da primeira vez que o seu ar desajeitado o pôs a jeito da função. E qual era a
função? Perfilar junto a outros anónimos numa sala de espera na esquadra, com
um número a adejar sobre a sua cabeça. Olhando de frente, e depois de cada um
dos lados, para um espelho que era do tamanho da parede diante dos olhos.
Podia ser distraído, podia
ser calado e tímido, mas não era destituído de entendimento. Quando lá foi
parar pela primeira vez, soube ao que ia: cobaia involuntária ao serviço da
justiça, no labor policial da identificação de um possível meliante. Depois os
serviços foram sendo solicitados a uma cadência que podia impressionar outro
cidadão qualquer, outro que se incomodasse quando a sua liberdade fosse
incomodada em maus modos (que são os modos habituais dos polícias mais velhos)
por sequer suspeita nenhuma. O rapaz era indulgente. Os pais adestraram-na para
a servidão da autoridade. Diziam-lhe: “curva-te
perante a autoridade para nunca teres aborrecimentos. Quando puderes, colabora
com a justiça. Não há coisa pior que a injustiça.” E o rapaz, com a
paciência de um bovino, lá ia na companhia dos agentes que já o conheciam de
ginjeira. Um dia percebeu por que era tão requisitado. Um dos agentes segredou
ao agente novato nas funções: “estás a
ver? Este que fomos buscar é o tal tipo aberrante de que te falei. Fica sempre
bem no conjunto de mal encarados que se misturam com o suspeito na fila da
identificação.”
Assim como assim, já estava
habituado às desconfianças da autoridade. Um amigo que o acompanhava na boémia,
mais letrado e com a rebeldia fervente, importunava-se em sua vez quando, em
ruas desertas ou no meio do bulício da noite, um agente à paisana exigia
identificação. Uma vez foram os dois para a esquadra. Ele, contudo, foi por
solidariedade com o amigo que, com as ideias turvadas pela cerveja a rodos,
bolçou em cima do agente à paisana: “isto
é fascismo social! Pedem-lhe a identificação porque ele usa tranças, piercings
e uns andrajos. Está mal!”
O rapaz tinha um cadastro
criminal imaculado.
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