24.5.13

O suspeito do costume


In http://franciscofalconi.files.wordpress.com/2008/07/algemas.jpg
Era pacato. Fleumático de mais, não questionava a autoridade quando os agentes respetivos lhe metiam a mão e o traziam para a esquadra. Ele também não fazia perguntas – como não fez da primeira vez que o seu ar desajeitado o pôs a jeito da função. E qual era a função? Perfilar junto a outros anónimos numa sala de espera na esquadra, com um número a adejar sobre a sua cabeça. Olhando de frente, e depois de cada um dos lados, para um espelho que era do tamanho da parede diante dos olhos.
Podia ser distraído, podia ser calado e tímido, mas não era destituído de entendimento. Quando lá foi parar pela primeira vez, soube ao que ia: cobaia involuntária ao serviço da justiça, no labor policial da identificação de um possível meliante. Depois os serviços foram sendo solicitados a uma cadência que podia impressionar outro cidadão qualquer, outro que se incomodasse quando a sua liberdade fosse incomodada em maus modos (que são os modos habituais dos polícias mais velhos) por sequer suspeita nenhuma. O rapaz era indulgente. Os pais adestraram-na para a servidão da autoridade. Diziam-lhe: “curva-te perante a autoridade para nunca teres aborrecimentos. Quando puderes, colabora com a justiça. Não há coisa pior que a injustiça.” E o rapaz, com a paciência de um bovino, lá ia na companhia dos agentes que já o conheciam de ginjeira. Um dia percebeu por que era tão requisitado. Um dos agentes segredou ao agente novato nas funções: “estás a ver? Este que fomos buscar é o tal tipo aberrante de que te falei. Fica sempre bem no conjunto de mal encarados que se misturam com o suspeito na fila da identificação.
Assim como assim, já estava habituado às desconfianças da autoridade. Um amigo que o acompanhava na boémia, mais letrado e com a rebeldia fervente, importunava-se em sua vez quando, em ruas desertas ou no meio do bulício da noite, um agente à paisana exigia identificação. Uma vez foram os dois para a esquadra. Ele, contudo, foi por solidariedade com o amigo que, com as ideias turvadas pela cerveja a rodos, bolçou em cima do agente à paisana: “isto é fascismo social! Pedem-lhe a identificação porque ele usa tranças, piercings e uns andrajos. Está mal!
O rapaz tinha um cadastro criminal imaculado. 

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