In http://quantasneira.files.wordpress.com/2010/09/lua_vermelha.jpg
Um nascimento. De um vento
vindo de algures, fui sinal de um futuro que teria sua terrena face. As
estrelas trémulas pressentiam um sopro benigno, como se o leito do parto
tivesse à mesinha de cabeceira uma manjedoura com o bovino arfando seu calor
para aquecer o nascituro. Com as estrelas, a lua irradiou um vermelho fogo.
As flores arqueavam-se na
jarra, cinzelavam um fado. A parteira acreditava que para onde estivessem as
flores pendidas, assim estava inscrito na eternidade o devir do recém-nascido.
Talvez, agora que passaram todos estes anos, e que já é possível espreitar para
trás do tempo, talvez seja possível atestar que as flores estavam benzidas por
um vento a preceito. Num lampejo, os anos todos passam céleres, reduzidos a uns
instantes. Sobram imagens rápidas: proezas que afinal o não são, amarguras que
são excessivas avaliações de estados de alma também eles excessivos, risos com
sentido, risos extemporâneos, prantos com e sem valimento. No fio condutor que
percorre todo o tempo reduzido a breves instantes, uma luz exala e incendia o
céu. Empresta à lua o vermelho fogo que fora soberano em dia de nascimento.
Agora é sobre agora. Os
corpos transidos, depostos nas mãos entrelaçadas, a figura cicerone que aportou
no cais. Os olhos, nítidos ou marejados, condensados na exaltação dos dois
seres, ou comungando emoções que medram no acosso das lágrimas, balbuciam os
sentidos que palavras mil são incapazes de retratar. Ao acordar, ainda está a
alvorada por fazer, um sussurro vem do ouvido até às profundezas do pensamento.
O sussurro é um canto pueril, espontâneo, sem peias das cores adulteradas, sem indulgências
por intenções distorcidas. O sussurro manda dizer que as palavras que são o
roteiro do encantamento merecem ser ditas em cada alvorada. Bebem-se os corpos
na transcendência do momento. Saciam-se nas palavras servidas em doces cantos
que transformam as palavras mais simples em códigos perfumados com um auspício
que tardava em ser.
Os olhos regressam ao dia natal.
Valeu a pena esperar pela noite. Valeu a pena a aflição que se congeminou,
prova de vida ainda mal ela era nascida. Valeu a pena vir pelo tempo fora, até
o tempo que foi a consagração de uma errância qualquer. Valeu a pena. Para
chegar aqui. E esperar, sem temor que abale as certezas que se compõem, pelo
porvir por nascer na forma dos amanhãs sem saber.
No lauto mar das incertezas, as
noites por diante são um templo abainhado pelo vermelho fogo que incandesce a
lua.
1 comentário:
“O poeta lembra-se do futuro”.
Jean Cocteau
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