27.5.13

Das manobras circenses


In http://www.mascarilha.pt/imagens/produtos/55523-gde.jpg
Um escritor chamou “palhaço” ao presidente da república. Sua excelência achou-se ofendido na honra e mandou perguntar à justiça se a injúria não é crime. A seguir dois coros trataram de opinar. Um coro achou a ofensa sem desculpa. O outro desvalorizou a ofensa. Os tenores do primeiro grupo costumam frequentar a trincheira de sua excelência, o ofendido. Os barítonos do outro coro fazem gala em dizer “mata” quando sua excelência diz “esfola”.
Posso estar enganado no diagnóstico (e podia fundar aqui um terceiro coro, mas falta-me veia para o canto), mas não entendo a serventia do caso. Aliás, este devia ser um “não caso”, se o presidente da república não desse importância a um escritor de terceira categoria que, todavia, é popular nos escaparates das vendas de literatura (ele há gostos para tudo e, tal como uns moicanos chamam música a géneros que levantam a dúvida no plano da estética, há quem considere literatura a qualquer coisa escrita em letra de forma). Depois os comentadores dividiram-se na habitual dicotomia: uns amparando sua excelência, que não se faz tamanha injúria; outros cuidado de o vituperar no máximo que puderem, pois passou o prazo de validade.
Se houvesse terceiro coro, dir-se-ia: e onde fica a liberdade de expressão? Não posso chamar “palhaço” ao presidente da república sem que isso seja crime? Mas já posso usar a mesma alcunha para outros políticos sem que seja crime? E, já agora, o que seria dos tribunais se os árbitros dos mais variados desportos mandassem as autoridades policiais identificar cada espetador que atentasse contra a sua honra e a da respetiva progenitora? Temos de ler as palavras, mesmo quando coalham o injurioso, na sua literalidade?
Desenganem-se os que julgam que, afinal, sou um barítono do segundo coro. Pois a esses barítonos também dirijo uma pergunta lapidar: e se alguém chamar “vesgo” ao professor Boaventura, ou “preto” a António Costa, ou “tosco” ao camarada Jerónimo, ou “bardo” ao poeta Alegre, ou “totó” ao anterior presidente Sampaio – e por aí fora –, conseguem os seus seguidores calar a indignação e deixar a liberdade de expressão falar mais alto?
Temo – e aqui deito-me a adivinhar – que os barítonos seriam tenores se uma daquelas personalidades fosse apoucada com aqueles (ou outros) impropérios. Ai, os “double standards”, que cilada.

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