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Um escritor chamou “palhaço”
ao presidente da república. Sua excelência achou-se ofendido na honra e mandou perguntar
à justiça se a injúria não é crime. A seguir dois coros trataram de opinar. Um
coro achou a ofensa sem desculpa. O outro desvalorizou a ofensa. Os tenores do
primeiro grupo costumam frequentar a trincheira de sua excelência, o ofendido.
Os barítonos do outro coro fazem gala em dizer “mata” quando sua excelência diz
“esfola”.
Posso estar enganado no
diagnóstico (e podia fundar aqui um terceiro coro, mas falta-me veia para o
canto), mas não entendo a serventia do caso. Aliás, este devia ser um “não caso”,
se o presidente da república não desse importância a um escritor de terceira
categoria que, todavia, é popular nos escaparates das vendas de literatura (ele
há gostos para tudo e, tal como uns moicanos chamam música a géneros que
levantam a dúvida no plano da estética, há quem considere literatura a qualquer
coisa escrita em letra de forma). Depois os comentadores dividiram-se na
habitual dicotomia: uns amparando sua excelência, que não se faz tamanha
injúria; outros cuidado de o vituperar no máximo que puderem, pois passou o
prazo de validade.
Se houvesse terceiro coro,
dir-se-ia: e onde fica a liberdade de expressão? Não posso chamar “palhaço” ao
presidente da república sem que isso seja crime? Mas já posso usar a mesma
alcunha para outros políticos sem que seja crime? E, já agora, o que seria dos
tribunais se os árbitros dos mais variados desportos mandassem as autoridades
policiais identificar cada espetador que atentasse contra a sua honra e a da
respetiva progenitora? Temos de ler as palavras, mesmo quando coalham o
injurioso, na sua literalidade?
Desenganem-se os que julgam
que, afinal, sou um barítono do segundo coro. Pois a esses barítonos também
dirijo uma pergunta lapidar: e se alguém chamar “vesgo” ao professor
Boaventura, ou “preto” a António Costa, ou “tosco” ao camarada Jerónimo, ou
“bardo” ao poeta Alegre, ou “totó” ao anterior presidente Sampaio – e por aí fora
–, conseguem os seus seguidores calar a indignação e deixar a liberdade de
expressão falar mais alto?
Temo – e aqui deito-me a
adivinhar – que os barítonos seriam tenores se uma daquelas personalidades
fosse apoucada com aqueles (ou outros) impropérios. Ai, os “double standards”, que cilada.
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