In http://i.olhares.com/data/big/77/779177.jpg
O título do texto devia levar
um ponto de interrogação no fim? Não. Hoje, que faz moda fazer ciência de
qualquer coisa banal, esbarrei num livro económico que prova que a beleza é um
atributo que faz a diferença no mundo do trabalho. O título do texto não pode
vir na forma interrogativa. A menos que desconfiemos da investigação (um aviso
ao leitor: não li o livro, a não ser o seu resumo) e procuremos escavar a
realidade para perceber se os atributos físicos suplantam o valor intrínseco da
pessoa enquanto profissional. (Mas: e a beleza pode ser um valor intrínseco?)
Para começo de conversa: é
tarefa árdua objetivar a beleza. Nos seus muito variáveis equilíbrios, a beleza
pode ser irrelevância para uns, enquanto para outros a insignificância se
transforma em beleza. Mas como não é verosímil que aquela investigação
económica se tenha aventurado na objetivação da beleza, suponho que aceitou que
a beleza tem diferentes cânones aos olhos de diferentes avaliadores (da beleza;
e de atributos profissionais).
E depois há profissões e
profissões. Há algumas que têm a beleza por critério e mandam os olhos (e um
determinado padrão – subjetivo – de beleza) considerar que em algumas dessas
profissões a beleza escorregou para a banalidade. São os manequins, que agora
aparecem macambúzios, incapazes de esboçarem um sorriso enquanto passeiam na passerelle, algumas delas decaindo para
uma anorexia medonha. E é o cinema, que é, contudo, também mestre na arte de
levitar aos olhos do espetador belezas que seriam anónimas se andassem nas ruas
todos os dias em total anonimato. Também sabemos que há certas profissões que
exigem cuidado guarda-roupa, tratos do corpo que são de outra estirpe e um
armário que transporta a artilharia de maquilhagem que disfarça muitas verrugas
da feiura, logo transformadas em artificial beleza. E são tantas outras as
variáveis fora do controlo da objetivação da beleza, que continuo sem perceber
como se produz ciência saída de um tal objeto de estudo.
Há outros imponderáveis que a
lembrança traz para a espuma da água. Um recrutador ou uma recrutadora
desempatam pela beleza quando dois candidatos ao emprego têm as mesmas
qualificações e os perfis são igualmente recomendáveis? Por que decidem com
base na beleza? Há um instinto carnal que não se mostra mas que se revela,
indisfarçável, quando o fiel da balança é a maior beleza de um dos candidatos?
O recrutador terá interesses inconfessáveis, deixando a lascívia atuar como
critério derradeiro para preencher o lugar na empresa? Pode ser um passo em
falso. Se traduzir os instintos em abordagens que exigem proximidade física,
pode o chefe ser acusado de assédio e ver a sua carreira desfeita por causa de
um passo em falso.
Às vezes, a beleza pode fazer
a diferença. Contava-me um amigo que a empresa contratou para delegada
comercial uma rapariga com evidentes dotes físicos (insistiu, todavia, que não
foi contratada por causa dos evidentes dotes físicos). Um dia fez-se à estrada
com a delegada comercial, para a ver no desempenho da função (reafirmou: não foi
por causa das evidentes qualidades físicas). Chegou ao fim do dia e percebeu
por que estavam as encomendas a subir em relação a meses anteriores – e a crise
já mordia no pescoço de todas as empresas. O charme da vendedora inebriava os
clientes. Que estavam dispostos a encomendar o que a delegada comercial
sugerisse. Enquanto os clientes não tiravam os olhos dos seus seios avantajados
metidos em sugestivo decote.
Mas não me parece que aqui o
critério fosse (apenas) a beleza. Ou seria, por assim dizer, um certo
entendimento de beleza a balizar o comportamento. Ah, mas o sexo masculino é
esta subespécie humana tão fácil de enfeitiçar.
Sem comentários:
Enviar um comentário