In http://imagens7.publico.pt/imagens.aspx/748097?tp=UH&db=IMAGENS
Por quatro manhãs consecutivas, a cidade amanheceu com os semáforos
desligados. De todas as vezes demorara tempo a repô-los. Os sistemas estavam em
baixo e reiniciá-los era empreitada complicada. Na primeira vez, julgaram as
autoridades ter sido uma anomalia dos sistemas, que as máquinas não são
infalíveis e avariam, mesmo as que são tidas como sofisticadas. Da segunda vez,
as autoridades começaram a estranhar. As coincidências não são coincidências
quando tanta tecnologia está em jogo e os filtros contra intrusos são à prova
de bala (ou assim foram vendidos).
Ainda as averiguações estavam em curso e, à terceira noite, os semáforos
vieram abaixo. As autoridades tiveram a certeza que não se tratava de
coincidência. Havia mão humana a sabotar os semáforos da cidade. Reforçaram a
vigilância da terceira para a quarta noite. Os filtros de segurança foram fortalecidos.
Era como se houvesse múltiplas câmaras de vigilância espalhadas nos inúmeros
corredores do labiríntico sistema que controlava os semáforos da cidade. Podia
ser que o sabotador se descuidasse, deslumbrado com a proeza repetida em três
noites seguidas.
Na quarta noite, como era esperado, os semáforos entraram em colapso.
Desta vez foi mais espampanante: em vez de caírem todos no amarelo durante meia
hora, finda a qual se desligariam, os semáforos entraram em bebedeira de
policromia. Sem critério, ora passavam do vermelho ao amarelo e outra vez ao
vermelho, para segundos depois irem de novo ao verde e intercalarem com o
amarelo e o vermelho. Em modo aleatório, em todos os semáforos da cidade. Hora
e meia depois, os semáforos emudeceram.
Os peritos de informática e os conselheiros de segurança passaram a noite
em branco. O sabotador era, talvez, mais perito que todos eles juntos. Mas
havia uma falha de segurança que o sabotador não soube prever. Um dos filtros
descobriu a sua identidade. A manhã ainda ia a meio e a polícia entrou à força
no seu apartamento, interrompendo o sono. Na esquadra disse que só ia falar uma
vez. Para apresentar as razões da sua sabotagem. Depois seria o silêncio.
Interrogado, só disse que tinha alergia a semáforos. Como, aliás, a todas as
normas que são ardis para atar o livre arbítrio de gente que assim perde a
liberdade.
As
autoridades não quiseram reconhecer o que toda a gente tinha percebido:
naquelas quatro manhãs, o trânsito deixara de ser caótico.