2.8.13

Quando o “país previsível” que o Cavaco de Boliqueime tanto cobiça esbarra numa sentença com elevada taxa de alcoolemia


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A realidade está um aborrecimento para a gente tacanha e aborrecida. Tirando isso, a realidade, aquela que vem vertida nas notícias que mereciam alistamento em jornais satíricos, serve para aligeirar a monotonia. O Cavaco de Boliqueime pertence ao escol dos enfadonhos. A realidade não anda a preceito para quem tem esta linhagem.
Ontem, quando sua excelência, em discurso à pátria, a exortou a ser “previsível”, uns juízes do Tribunal da Relação do Porto assinaram sentença que contrariou a normalidade tão cinzenta que tanto quadra com o senhor Aníbal. Os juízes mandaram voltar atrás com o despedimento de um trabalhador ucraniano de uma empresa de recolha de lixo de Oliveira de Azeméis que tinha excesso de álcool durante o serviço. Os magistrados serviram argumentação digna de uma peça de teatro onde se jogam os dados do surrealismo. Primeiro, o sangue do trabalhador recolhido para amostra foi prova ilegítima, pois a empresa não a podia usar já que o ucraniano não autorizou que lhe fossem às veias. Não sei se importaria aos doutos juízes perceberem que o embriagado em serviço foi parar à urgência do hospital depois do colega de trabalho, que ia ao volante do carro do lixo e também estava ébrio, ter desfeito mal uma curva, cometendo a proeza de capotar o veículo.
Em segundo lugar, os juízes abriram uma nova janela de oportunidade ao refrescamento das relações laborais, pois consideram que os trabalhadores podem beber o que lhes apetecer na medida em que a ebriedade possa aumentar a produtividade. Já não interessou admitir que o ucraniano se tenha embebedado ao ponto de acusar 2,3 gramas de álcool por litro (quase cinco vezes mais que o máximo legal para quem conduz). Tanto mais que, advertem os juízes, na empresa de recolha do lixo não há norma interna que proíba a ingestão de álcool (ou que defina os limites máximos para beber uns copos) durante o serviço. Mal andou a empresa e todas as outras que são negligentes ao ponto de não se terem lembrado de proibir os trabalhadores de beberem em serviço. De semelhante calibre, só me lembro de ouvir um passageiro de um autocarro afirmar, cheio de convicção, que o cunhado (motorista de um camião TIR) conduz melhor depois de beber um litro de vinho ao almoço.
À beira da bafienta previsibilidade que o senhor Aníbal pretende que sejamos, esta risível sentença é um bálsamo. Ninguém curou de indagar onde a mesma foi lavrada, se os magistrados o fizeram depois de um bem regado almoço de trabalho, ou em cima do joelho depois de participarem, em amena cavaqueira com o Alberto João da Madeira, no rally paper das tasquinhas a propósito da festa anual do partido do governo. Também não interessa. Que aborrecimento para sua excelência, o “mais alto magistrado da nação”, que esta pátria seja tudo menos previsível.

1 comentário:

Ana disse...

AO ROSTO VULGAR DOS DIAS
"Monstros e homens lado a lado,
Não à margem, mas na própria vida.
Absurdos monstros que circulam
Quase honestamente.
Homens atormentados, divididos, fracos.
Homens fortes, unidos, temperados".
(...)
(Alexandre O’Neill)