1.8.13

Em defeito de velocidade


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Na autoestrada dos corcéis, disputam a primazia da adrenalina. Não se atemorizam com o precipício do acidente, sabem que à tanta velocidade ele pode espreitar numa fenda da temeridade. É uma fúria galopante, tragando os quilómetros sem saberem que destino a não ser a estonteante celeridade. Chegam ao fim da autoestrada e devolvem o caminho. Outro tanto de instantânea fugacidade, metem o pedal a fundo e vigiam o velocímetro que se afunda no limite. Eles desafiam o limite. Comunicam-se quando pressentem a presença cautelar da polícia. Contornam os limites da velocidade como a mesma destreza que iludem os radares e as patrulhas da brigada de trânsito.
Um dia, meteram-se à autoestrada como se fosse uma pista de automóveis. Outra vez. Repetiram o ritual, que para eles não era ritual. Era como se fosse uma droga dura, extrair o que os tão potentes automóveis tinham para dar sob o comando do acelerador intrépido. Dobravam os quilómetros em velocidade alucinante, quando no fio do horizonte surgiu um pequeno carro que depressa, tanta era a pressa, ficou à mercê dos cavaleiros da autoestrada. Não contavam que ali andasse alguém em defeito de velocidade. Era uma senhora velhinha – souberam depois do acontecido – já octogenária, com dois anos de carta de condução, imbatível na lentidão. A senhora reclamou (mais tarde) que o vagar nunca fizera mal a ninguém, que o seu remanso era caução de uma prudência que os jovens tresloucados não conheciam.
De tão díspares velocidades, os cavaleiros do asfalto não travaram a tempo. Para não chocarem na velhinha em defeito de velocidade, um espetou-se nos rails centrais, outro saiu disparado às piruetas para a berma resvaladiça e os outros dois abalroaram-se mutuamente. A velhinha, de tão atenta ao que ia à sua frente, nem deu conta do acontecido. Tempos depois, um agente da brigada de trânsito bateu à porta de sua casa. Estava intimada a comparecer em tribunal daí a umas semanas. A senhora ficou aflita, não sabia que crime pudera ser o seu. O agente esclareceu-a. As câmaras de vigilância da autoestrada testemunharam que fora o seu defeito de velocidade a causar o acidente que mandou os quatro potentes automóveis para a sucata e os seus ocupantes para demoradas estadias em camas do hospital.
O zelo pelas regras não compensara.

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