O mar inteiro de ilusões: os
capatazes são para o serem, capatazes. Quem, algum dia, sentenciou a
possibilidade de os de baixo treparem pela escada até atingirem a cumeada,
estavam a ser tutores da maior das ilusões. Desenganem-se: não há sonhos que
assim sorriam a não ser aos ingénuos. E há ingénuos de todos os calibres.
Depois de bem pensar no caso,
mal não fará que os capatazes não subam ao lugar dos patrões. Sobretudo nestes
tempos difíceis, com as falências a morderem nos calcanhares de tanta gente que
fora agraciada pela abastança e que entretanto mergulhou na miséria escondida pelo
falso orgulho. Os capatazes que quisessem inverter a escala teriam muitas
cefaleias para aguentar. Não estão à altura do desafio. A não ser que
acreditemos num qualquer arauto da ingenuidade e demos como assente que há uma
conspiração dos ricos para empobrecer os mais pobres, a vida é mais sossegada
para os capatazes que não tiverem pretensão de ascender na escada social.
Que não saia daqui impressão
de insensibilidade social. Nestes tempos conturbados, os capatazes safam-se da
constante apoplexia que pende sobre a respiração sobressaltada dos patrões. Um
capataz tropeça nas apoquentações da sobrevivência, mais a mais agora que toda
a gente vive à míngua e que é sobre os que vivem à míngua que o dente aguçado
da crise morde mais depressa. Os patrões, habituados que estavam à
sumptuosidade, eles que não foram habituados a conviver com a escassez e a
prescindir do requinte e do deslumbramento social, levam com alvoradas acossadas
com o estigma da perda. Não souberam, muitos deles, ser precavidos e adivinhar
que um dia qualquer os tempos maus seriam fotografados na moldura que é esteio
para os olhos.
Entretanto, os capatazes
continuam apenas a sobreviver. Sem as demais dores de cabeça que afligem os
impreparados patrões. Por estes dias é que se pode afiançar que os capatazes
não ambicionam ser patrões. São mais sagazes do que isso.
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