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De acordo com a linguagem instalada,
as aparências iludem. É expressão idiomática, ou adágio popular, ou saber
sedimentado. Mas a expressão está mal cunhada. Pois as aparências, o mais que
conseguem é semear desilusões.
Podem, em fases iniciáticas, convocar
o engodo dos sentidos. Daí se dizer que elas, as aparências, são uma vitrina de
ilusões. Porém, a certa altura, quando o tirocínio houver findado, e quando as
aparências já o não forem, decapadas do seu verniz, os sentidos aterram fora
das ilusões. Desiludem-se, portanto. Se o que conta é o resultado final (aonde
chegamos depois de termos sido tresmalhados numa aparência), dever-se-ia
atestar que as aparências, no fim da sua vida útil, ao enviuvarem, alçam a cilada
onde fervilha a desilusão.
A voz popular e a língua consagrada
enredam-se no novelo dos processos que constituem as aparências, não dando
valor ao que sobra quando as aparências são desvendadas. Parecem juristas
ciosos dos procedimentos sem se importarem com o lugar onde desaguam os
trâmites. Este fenómeno contraria o que se consagrou acerca do povo (entre
muitas outras falácias): que o povo é esperto e atalha caminho para o lado
pragmático das coisas. Se o povo, e os linguistas que o amparam, estivessem sem
miopia, não diriam que as aparências iludem. Elas só iludem enquanto os olhos, no
seu estado nascente, não forem sagazes para desmentir um lugar para a aparência
em que se emaranham. Mal a aparência for certificada, e a dissimulação vier
lavrada pelo olhar mordaz, a aparência será entregue nos tíbios braços onde se
alojam as desilusões.
Quando à nossa frente aterra uma
iguaria vistosa, empratada com os requintes da nouvelle cuisine para que os olhos também se saciem como prelúdio do
paladar, ela é aparência enquanto a degustação não for chamada a atuar. E se os
olhos tanto comem com a ajuda do estético empratamento, começamos por uma
ilusão. É um estado exploratório. Não é desconfiança. Uma ilusão é abertura de
espírito. Se a prova da especialidade gastronómica dececiona, a aparência
desmonta-se num ápice. O que sobra não é uma ilusão. É desilusão.
(O que se diz destas iguarias pode-se
dizer de outras degustações...)
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