26.8.13

Quero: a inocência devolvida


In http://www.nowtheendbegins.com/blog/wp-content/uploads/syria-unleashes-massive-gas-chemical-attack-on-damascus.jpg
Já temos idade (os que têm esta idade; mas talvez os de todas as idades) para não andarmos açambarcados por ilusões. Os palcos de guerra são uma atrocidade sem adjetivos. A humanidade, uma espécie suicidária que não aprende com as guerras de outrora e insiste em matar gente inocente, apanhada no tempo e no lugar errados e no meio de um imenso nada de ideias.
E, mesmo assim, com toda a frieza que a idade admite, os olhos são ultrajados com as fotografias de outra selvajaria em palco de guerra. Enquanto os estrategas militares se entretêm a ensinar a “arte da guerra” (devia ser proibida esta conjugação de étimos que são a negação um do outro), e os cultores da geopolítica medem efeitos e estimam cenários alternativos, homens, mulheres e crianças sucumbem à força soez das armas. Quando a chacina rima com mortes coletivas, depois de um ataque ignóbil com armas químicas, e as imagens entram pelos olhos ferindo-os na sua já fina crença na espécie humana, a inocência de idades pueris apetece vir à tona. Os corpos de mulheres, homens e crianças ensacados em lençóis brancos estão alinhados num corredor de morte, todos vítimas inocentes no apogeu das hostilidades que são um hino à demência da espécie. Esses cadáveres metem-se pelos olhos e são lesões que não se confiam ao tecido ocular, penetrando ao mais fundo do pensamento.
É quando apetece resgatar a inocência dos tempos infantis. Quando o mundo estava mergulhado numa campânula e o mundo lá fora, este mundo hediondo que só merece ser espezinhado, não existia. Quando a ingenuidade era o leme do tempo e a crença na bondade dos homens não era interrogada. Agora, esmagado por estas fotografias que denunciam a bastarda condição humana, é difícil ir aos tempos que pertencem à memória e fazer de conta que somos puerilmente inocentes. A doença da informação (compulsiva ou não) vacinou-nos contra a inocência. Perdeu-se nos arredores da memória, e a ela pertence como retrato do que foram esses tempos.
O agora é um exame que desafia os limites da bestialidade humana. Não me interessa quem usou as armas químicas, ou os jogos florais das nações desunidas, ou (ainda menos) os recortes da estratégia militar que são a pior ofensa ao sossego dos civis que não são perguntados se querem ser vítimas colaterais de uma guerra. Talvez a esta gente toda houvesse merecimento de uma morte dolorosa e lenta, como paga para o crime lesivo da bondade humana de que iriam acusados.
A inocência resgatada só me deixa pensar na morte atroz de toda aquela gente, que nem tempo teve para saber do que estava a morrer, a não ser de serem vítimas de uma (mais outra) guerra absurda.

1 comentário:

Ana disse...


"Cada um está só no coração da terra
trespassado por um raio de sol;
e subitamente é noite".
Salvatore Quasimodo