16.8.13

Sete vidas têm os gatos


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Os rapazes estavam reféns do tédio das férias grandes. Praia, já não queriam. Ler, não era seu forte. A televisão passava sempre as mesmas coisas (apesar da constelação de canais que dificultava a escolha). Os jogos de computador eram o mesmo ramerrão. Saíam à noite, atingida a idade em que os progenitores caucionaram as saídas noturnas.
Para quebrar a monotonia, fizeram-se a atividades lúdicas que cortavam o sossego da madrugada. Atividades, dir-se-ia, que não tinham o consentimento da moral social que, por essas horas, hibernava em seu sono. Um dia, os rapazes percorreram ruas da cidade em aleatória sinfonia nas campainhas dos prédios. Noutro dia, andaram pelas ruas escaqueirando espelhos retrovisores de automóveis no descanso do estacionamento. Depois foram a uma discoteca onde tinham tentado entrar uns dias antes. Podia ser que o porteiro tivesse mudado, ou que, em sendo o mesmo, o estado de espírito do porteiro houvesse mudado (para melhor). Queriam saciar-se na vingança. Entrariam na discoteca e depressa iriam de abalada. Sem darem nas vistas, pois uma estadia efémera podia levantar suspeitas e os porteiros das discotecas têm boas relações no bas fond da cidade, que por sua vez é vingativo e implacável. A partida era espalhar um gás inodoro, que o irmão de um dos rapazes estouvados, estudante de química, escondia no seu armário. O gás levaria toda aquela gente ao hospital, consumida com a comichão causada por um agente irritante que faria toda a gente coçar-se como se tivessem apanhado uma colónia de pulgas.
Ao quatro dia ensandeceram. Foram para uma curva perigosa ao fim da avenida principal, uma curva conhecida pelos muitos acidentes de quem não sabia lidar com o declive invertido que atirava os condutores desprevenidos contra o muro de um restaurante limítrofe. Não chegando o perigo inato da curva, os estroinas espalharam no pavimento quatro garrafões de cinco litros de azeite. Refugiaram-se no quarto andar esquerdo de um prédio devoluto e foram fazendo a contabilidade dos condutores que escorregaram no asfalto que parecia uma pista de patinagem no gelo. Excitados com as proezas das noites anteriores, julgavam-se infalíveis. Enganaram-se. O guarda noturno do prédio abandonado deu com eles enquanto a algazarra ecoava em sonoras gargalhadas. Chamou a polícia, que prendeu os rapazes imprevidentes que ainda guardavam as provas que os haveriam de incriminar (os garrafões vazios de azeite).
Ao contrário dos jogos de computador, não era possível reiniciar a realidade nem cada um deles tinha várias vidas para gastar.

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