10.10.13

Manual da tremenda felicidade


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O ponto de partida: a felicidade importa?
Há muita felicidade oculta. E muito desencanto dos desenganados da felicidade (ou que, pelo menos, assim se consideram). Não é diferente das outras coisas que carecem de medida: a lição vem nos manuais que explicam a carestia das coisas raras e o desvalor das coisas abundantes. Se fizemos o tirocínio da felicidade e por lá andamos, de tal modo que ela (julgamos) se fez banal, retiramos o valor que é sua pertença. Se teimarmos que a felicidade habita nos antípodas de onde estamos, sonhamos com ela como quem sonha com ouro e joias sem ser nutriente de pose ostentatória.
Lição número um: dar valor à felicidade que está, sorridente, aos nossos pés. Sem a endeusarmos, que ela se pode cansar do rotineiro quotidiano e ausentar-se para parte incerta. Mas sem andarmos no patamar da apoplexia, tementes que a felicidade seja frágil e se extinga sem pré-aviso.
Lição número dois: para os deserdados da felicidade, imperativa perseverança. Se capitularem, mesmo depois de ajuizarem os muitos fracassos na demanda, têm garantido o destino da desdita. A felicidade pode tardar. Com audácia, ou apenas por acaso (não interessa como vem), ela terá seu púlpito nos olhos dos deserdados que deixarão de o ser.
Lição número três: reprimir os contratempos que nascem de um pulsar suicidário. E que nos levam a fermentar conflitos gratuitos, umas vezes a pretexto da polémica saudável (que, contudo, efervesce as veias), outras vezes mercê de irritações pessoais. Ou que nos levam a dar valor a impertinências que embaciam a felicidade, cansada da ingratidão e de a espezinharmos com lides mesquinhas.
Lição número quatro: não chega a felicidade. Que a ousadia faça o seu caminho. Para que, desimpedida a porta férrea que embaciava o olhar, a felicidade cresça de expoente. Não chega apenas a felicidade, porque a felicidade tremenda presta-se a outros deleites.
Lição número cinco: entreguemo-nos aos prazeres que convencionamos serem prazeres. Com a volúpia da subjetividade e entrega ao hedonismo que é medida subjetiva. Derrotem-se os oráculos que refreiam os prazeres. Combata-se a perenidade do tempo, que os adiamentos das empreitadas pagam-se caro quando o tempo vier na sua extinção. Venham os prazeres: da viagem, da leitura, das palavras enfeitadas em forma de poema, da carnalidade, do mais lúdico que haja sem temor de sobre nós caírem dedos empertigados acusando-nos de puerilidade, da música (ou das músicas, na sua versatilidade), do cinema, do teatro, das paisagens que sinalizam fotografias perenes emolduradas na memória, do amor, da amizade, do mar galante que é um contraforte de onde vem um feixe de luz incandescente, do miar dos gatos, da adrenalina, da loucura saudável que se confunde com irreverência, do pensamento singular, do direito à diferença quando nos empurram para a padronização, da bondade.
E lição número seis: não recusemos o que somos. Nem recusemos que o que somos é fio condutor entre o tempo pretérito e o tempo conhecido, que é o atual. 

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