In http://www.wallm.com/images/2013/01/landscape-widescreen-wallcoo-nature.jpg
Argonauta destemido, fez-se aos mares
em demanda de terra. De terras que fossem diferentes, uma arquitetura das
paisagens que trouxesse pinceladas insólitas, cores que julgava não existir,
aromas oníricos. Fez-se aos mares uma, duas, três vezes. Sulcou-os até avistar
os contrafortes de um sítio que o mapa cuidava de assinalar.
Aprendeu idiomas. Aprendeu costumes
que andavam nos antípodas da sua idiossincrasia. Aprendeu a comer o que jamais
julgaria ser possível comer. Demorou-se em conversas com anciãos que exibiam,
nas tão marcadas rugas, uma experiência enciclopédica (e, todavia, mostravam
uma analfabeta certidão de habilitações). Empreendeu viagens solitárias pelas
selvas inexpugnáveis, outra vez destemido, sem se atemorizar com a fauna
exótica, muita dela venenosa, que partilhava o chão que não se chegava a ver. Arremeteu
pelas paisagens geladas, duplamente frias, próximas do ártico, atirando-se aos
ventos glaciares sem temor das feridas por congelação. Demorou-se em cidades
consagradas por escritores, cidades onde a bandeira cosmopolita está hasteada
bem alto. Amesendou com camionistas musculados na interminável estrada que faz ponte
entre as duas costas americanas.
Foi a templos budistas, a templos
hindus, a mesquitas e a igrejas ortodoxas, onde, apesar do ateísmo impenitente,
aprendeu a beber uma espiritualidade ecuménica. Banhou-se nos oceanos todos,
nas águas cálidas e em águas bravas e frias. Dormiu ao relento em muitos
lugares e percebeu, quando as nuvens não ocultavam o céu, que as estrelas são
iguais em todas as paragens. Demorou-se no sorriso inocente das crianças, sem
olhar a credos e cores, ungiu-se com a sua pureza. Sem que elas olhassem à
perfídia da ideologia, ou à iconoclastia de líderes autistas, imberbes e
apedeutas, que cuidam de virar gente contra gente outra em consagração de proezas
pátrias.
Nómada por gosto, foi saltimbanco
agitado por anos a fio. Viveu doenças como se fossem parêntesis temporários.
Dobrou-as – continuava a acreditar – com a força interior de quem tantos
lugares conheceu e muitos mais tinha por saber. As paisagens, as tantas
paisagens tão diversas como constelação do mundo lá fora, eram preceito que
acomodava a memória. Anos mais tarde, no entardecer da existência, quando se
converteu ao sedentarismo (que o andarilho dos mundos estava cansado de o ser),
passava no pretérito perfeito as imagens, as pessoas, os falares, os gestos, as
culturas, as gastronomias, as crenças, as palavras, quase todas.
Ele fora o escultor destas paisagens
todas.
Sem comentários:
Enviar um comentário